Free jazz: 10 discos (parte 1)

O Bodyspace seleccionou uma dezena de obras do "free jazz", estilo surgido em meados da década de 60

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Angela Costa

John Coltrane - "Ascension" (1965)

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John Coltrane - "Ascension" (1965)

Impulse!


Em 1965 John Coltrane já havia esticado os limites do jazz: editou a obra-prima do "hardbop" "Blue Train" (1957), marcou presença no "über-clássico" "Kind of Blue" (1959), fundou um quarteto (McCoy Tyner, Jimmy Garrison e Elvin Jones) que se materializou cânone – e com quem editou clássicos como "Giant Steps", "Impressions" ou o lindíssimo "A Love Supreme". Para a gravação de "Ascension", Coltrane recrutou sete músicos extra, além dos três magníficos que completavam o quarteto: Freddie Hubbard e Dewey Johnson (trompetes), Marion Brown e John Tchicai (saxofones alto), Pharoah Sanders e Archie Shepp (saxofones tenor) e Art Davis (contrabaixo).

Sem indicações precisas por parte do líder, a música avançou sem rede - alternando entre grupo, solo, grupo, solo, grupo, solo, etc. Cada músico investiu o melhor de si, com entrega enérgica, contribuindo para um resultado colectivo incomparável. Explosiva, estilhaçada, imprevisível, inigualável, a música de Coltrane e comparsas alcançou aqui um altíssimo cume criativo. Ornette Coleman já havia desenvolvido, algum tempo antes, uma proposta aproximada, com o disco "Free Jazz" (1960), mas a proposta de Coltrane arrisca prolongar-se em termos de intensidade, força e libertação. A partir daí a música de Coltrane não voltou a olhar para trás.


Peter Brötzmann - "Machine Gun" (1968)

FMP

Terá sido com o surgimento da “free improv” europeia que os ideais do free jazz mais se aproximaram da concretização perfeita. Sem o peso da tradição (americana), os ingleses, alemães e holandeses começavam a trabalhar uma música sem bloqueios nem amarras, emulando com garra a ferocidade dos ídolos transatlânticos (Ayler, Coltrane, etc.). Para o seu segundo disco na condição de líder, o saxofonista alemão Brötzmann reuniu um grupo de músicos que o tempo haveria de classificar “all-star” (na altura eram apenas músicos curiosos, com vontade de improvisar): Evan Parker, Willem Breuker, Peter Kowald, Buschi Niebergall, Sven-Åke Johansson, Han Bennink e Fred Van Hove.

O álbum abre com a cavalaria (saxofones) a disparar sem misericórdia, dando o mote para aquilo que se seguiria: vertigem tumultuosa, força, urgência, choque e terror. Saxofones em combustão e um piano a queimar, sobre uma secção rítmica, reforçada, imparável. Este monumento de serralharia foi-se transformando, justificadamente, não só em documento de referência da improvisação europeia, mas também em símbolo do jazz livre e enérgico. Numa altura em que celebra 70 anos de idade (e vê-se retratado no documentário "Soldier of the Road"), Peter Brötzmann tornou-se ícone. Tendo continuado o trabalho seus ídolos de juventude pela via da originalidade, Brötz logrou alcançar igual grandeza. Este é o seu álbum mais celebrado.