MP investiga caso de criança com várias malformações não detectadas nas ecografias

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“As ecografias eram muito rápidas e eram feitas em minutos”, contou a mãe Adriano Miranda

“As ecografias eram muito rápidas e eram feitas em minutos”, contou a mãe à agência Lusa, acrescentando que nunca lhe disseram para fazer a ecografia morfológica, recomendada por volta das 22 semanas para estudar detalhadamente a estrutura fetal. Os exames foram feitos na clínica privada e depois vistas pelo médico de medicina familiar do centro de saúde.

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“As ecografias eram muito rápidas e eram feitas em minutos”, contou a mãe à agência Lusa, acrescentando que nunca lhe disseram para fazer a ecografia morfológica, recomendada por volta das 22 semanas para estudar detalhadamente a estrutura fetal. Os exames foram feitos na clínica privada e depois vistas pelo médico de medicina familiar do centro de saúde.

“O médico [do centro de saúde] nunca identificou nada. Só olhava para os relatórios e dizia que estava tudo normal”, afirmou. Na altura, a mãe sentiu-se pouco e mal acompanhada, pelo que tomou a iniciativa de ir ao Hospital Amadora-Sintra, às 38 semanas de gestação.

Ao analisar uma ecografia, um médico disse-lhe que “algo não estava bem” e marcou uma cesariana de urgência, já que a criança estava sentada e isso impossibilitava o parto normal. Segundo a mãe da criança, o parto foi rápido, mas no fim não a deixaram ver a bebé.

“Quando o pai viu a filha na incubadora foi horrível, teve um choque enorme. Ela nasceu com as pernas ao contrário” e os joelhos dobravam para a frente, “além de não ter queixo”, contou a mãe da criança. “Ele não sabia como havia de me dizer, porque também estava em choque”, relembrou a mãe emocionada.

Perante a gravidade das malformações, os médicos perguntaram aos pais se tinham feito todas as ecografias correctamente e se nada tinha sido detectado. “Dava para perceber que os médicos me diziam que podia ter sido detectado durante a gravidez”, acredita a mãe.

Na altura do nascimento, contou a mãe, os problemas nas pernas e no queixo eram os únicos perceptíveis, mas desde então apareceram outras deficiências. A bebé, hoje com dez meses, não tem céu da boca, sofre de uma hérnia no estômago - consequência de uma operação para ser alimentada por sonda – apresenta a coluna deformada, raramente se mexe ou reage a estímulos, não fala e passa a maioria do tempo internada no hospital.

“Ela não tem ainda diagnóstico porque os médicos não sabem o que é que ela tem. Dizem que é raro e não dão diagnóstico porque a vão estudando conforme ela vai crescendo”, explicou a mãe que contou ainda que conheceu outras duas mães cujos bebés nasceram com múltiplas deficiências e que também foram seguidas na mesma clínica privada de imagiologia. Os pais da criança têm a ajuda de uma advogada da Segurança Social – por terem baixos rendimentos - e já apresentaram queixa na PSP da Amadora, que a encaminhou para o Ministério Público.

Para os pais esta é uma situação que poderia ter sido evitada. Querem que o médico que realizou as ecografias seja responsabilizado e obrigado a ajudar a criança, “para que no futuro não lhe falte nada”. Actualmente só o pai da bebé trabalha, já que a mãe tem de ficar em casa para poder cuidar da filha. A criança recebe 59 euros de abono e a mãe outros 88 euros para cuidar dela.

Junto do Ministério Público, a Lusa soube que foi aberto inquérito e solicitados elementos clínicos, nomeadamente ao Centro de Saúde da Amadora.

“Infelizmente”, acontece

O médico que está a ser investigado pelo Ministério Público por alegadamente não ter detectado malformações numa bebé nas ecografias desconhece as anomalias em questão, mas diz tratar-se de uma situação que, “infelizmente”, às vezes acontece. Contactado pela Agência Lusa, o médico disse ter conhecimento do caso, mas realçou que não conhece em concreto as anomalias da criança. Adiantou que ainda não lhe foram pedidos esclarecimentos pelo Ministério Público.

“Sei de bebés que nasceram com anomalias, sem ser este caso, e isso infelizmente acontece, apesar de todos os exames médicos que fazemos. Em lado nenhum a segurança é de 100 por cento e às vezes aparecem anomalias. Fiquei muito triste com isso porque o nosso trabalho é exactamente para prevenir essas coisas”, disse o médico.

Por outro lado, a directora do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Grande Lisboa VII – Amadora, a que pertence o Centro de Saúde da Amadora, disse à Lusa que conhece o caso, mas alegou que não se pode pronunciar devido à investigação em curso. Adiantou apenas que a instituição foi contactada pelo Ministério Público e que já enviou os relatórios e a documentação clínica pedidas.

Por seu lado, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) disse à Lusa não ter conhecimento do caso em concreto, mas revelou que existem 22 reclamações contra a clínica privada, todas elas entretanto arquivadas. De acordo com a ERS, a referida clínica não tem nos seus quadros nenhum colaborador com o nome do médico visado neste inquérito. Junto da Ordem dos Médicos foi possível saber que existem duas queixas contra o mesmo médico, uma das quais entretanto arquivada. O médico em questão trabalha em mais dois centros privados e no Centro Hospitalar de Setúbal, do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Conselho de ética reage

O presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) pediu hoje que a Ordem dos Médicos se preocupe com a forma como as ecografias obstétricas são feitas em Portugal, já que "qualquer médico as pode realizar". Miguel Oliveira da Silva, ginecologista e obstetra de profissão, reagia desta forma à investigação do Ministério Público sobre o caso da criança que nasceu no hospital Amadora-Sintra. Sem comentar clinicamente o caso, por desconhecer detalhes clínicos sobre o mesmo, Miguel Oliveira da Silva lamentou que não exista em Portugal uma entidade que ateste com idoneidade a forma como as ecografias obstétricas são realizadas.

"Qualquer médico pode fazer uma ecografia e era bom que a Ordem dos Médicos se preocupasse com isso", disse o clínico aos jornalistas, à margem da Conferência sobre Fundamentos Éticos nas Prioridades em Saúde, que decorre na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.