Jovens e talento não caem do céu
Se o Estado não está interessado em criar as bases de trabalho ou formação em geral também nunca se deveria interessar em andar à boleia de alguns casos de "sucesso" em particular
Escrevo este texto na sequência da notícia divulgada pelo P3 no dia 26 Novembro 2011, na qual é dito que a Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude (SEDJ) “dá a conhecer 10 jovens talentos”.
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Escrevo este texto na sequência da notícia divulgada pelo P3 no dia 26 Novembro 2011, na qual é dito que a Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude (SEDJ) “dá a conhecer 10 jovens talentos”.
Quando a SEDJ me pediu, a mim e a outras pessoas, para participar num evento de jovens, realizado em Braga, foi com o intuito de dar a conhecer, a uma plateia de outros jovens, vários percursos de trabalho já realizados, no cinema, no desporto, etc. Eu nunca recebi um convite para integrar um manifesto de intenções em que a SEDJ se iria propor a “revelar” o talento de 10 jovens, tal e qual como está no artigo publicado no P3! São coisas diferentes e é clara a diferença. É a diferença que vai entre o Estado fingir que revela mediaticamente o trabalho de alguém ou o querer ter uma acção pedagógica junto de quem interessa. Porque isto faz parte do papel do Estado: educar e formar. Não é chamar a si um papel que não é seu: colher os louros de um trabalho que, em muitos dos casos, não ajudou a concretizar. Neste caso em particular há um claro abuso da imagem alheia.
Mas afinal para que serviu o encontro em Braga?
A 22 de Novembro escrevi e gravei um depoimento em vídeo para ser transmitido no evento de Braga. O depoimento tem um público: os jovens na plateia. Alerta para a precariedade da cultura em Portugal e para a desresponsabilização continua do Estado Português perante a cultura do seu país. E fala de coisas concretas.
1 – A crise na cultura não é de agora, é de há muitos anos. A cultura representa cada vez menos no orçamento geral porque simplesmente não há política cultural. Mais grave: os apoios à formação e à circulação das obras sãos os primeiros a acabar.
2 –A grande maioria dos jovens que irão entrar hoje no mercado de trabalho, na área das artes, será "freelancer", ou mais correctamente um intermitente do espectáculo, apesar de ser um termo não oficial. Mas terão de saber que em termos fiscais não existem. Não existe qualquer estatuto de artista, nem sequer de intermitente. Isto porque o estado nunca se interessou em clarificar a situação. Porque existem os recibos verdes? Todos os intermitentes do espectáculo têm de o usar para o seu trabalho, mas dá no mesmo escrever, na actividade desse mesmo recibo, músico ou advogado. Porque em termos fiscais os artistas são equiparados a profissões liberais. Claro está que um músico não tem muito a ver com um advogado. Toda a gente vê isso menos o Estado. Esta é uma realidade para os jovens de hoje que vão entrar no mercado de trabalho: não se pode contar com o Estado.
3 – À falta de estatuto fiscal junta-se a falta de protecção social. Com os recibos verdes todos têm de descontar um mínimo de 150 euros por mês para a Segurança Social mesmo que não recebam nada nesse mês. Em todos os contratos de trabalho desconta-se em proporção do que se ganha. Nos recibos verdes, não.
4- Quando se fala de jovens com “sucesso”, tem de se falar, antes de tudo, do trabalho e é o trabalho que tem de ser apoiado.
Se o Estado não está interessado em criar as bases de trabalho nem as bases de formação em geral também nunca se deveria interessar em andar à boleia de alguns casos em particular.
O meu receio é que, neste caso, a SEDJ tenha sido um simples peão. Se a ideia veio de cima, do topo, com a perspectiva de querer passar a imagem que aos jovens tudo é possível e que o Estado está lá pronto para os “revelar”, quando pouco ou nada faz por isso, então entramos no campo da fantasia ou da manipulação. Claro que perante este caso, pessoalmente, sinto-me um pouco como carne para canhão, mas isso pouco ou nada interessa quando comparado com o estado constante do nosso Estado.