Vítimas resistem mais a abandonar o lar com medo de perder emprego

Os efeitos da crise económica já se fazem sentir no dia-a-dia da Associação de Apoio à Vítima (APAV) e da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV). Ali, garantem os técnicos, é cada vez mais difícil convencer as mulheres a sair de casa.

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Os efeitos da crise económica já se fazem sentir no dia-a-dia da Associação de Apoio à Vítima (APAV) e da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV). Ali, garantem os técnicos, é cada vez mais difícil convencer as mulheres a sair de casa.

"As mulheres começam a não chegar (às casas abrigo) porque têm medo de deixar os seus trabalhos", conta à Lusa Maria Macedo, técnica do centro de atendimento da AMCV, adiantando que "as mulheres em perigo de vida, que se refugiam numa casa abrigo, não regressam mais às zonas que frequentavam. Têm de recomeçar tudo do zero, incluindo arranjar um novo emprego".

A decisão de abandonar o lar é um dos momentos mais difíceis de todo o processo e o último estudo nacional já indicava que uma em cada três vítimas aguenta durante mais de dez anos uma relação violenta.

João Lázaro, vice-presidente da APAV, também sente que "a actual crise leva a que muitas vítimas ponderem muito mais em dar o passo em frente e quebrar o silêncio, face às dificuldades económicas e financeiras de terem um projecto e uma vida alternativa sem violência". Resultado: "estão mais sujeitas à violência porque tentam aguentar ao máximo".

"A confirmar-se esta percepção das associações deste cenário preocupante, porque estamos a falar de um risco de morte", diz Teresa Morais, secretária de Estado da Igualdade.

Para as associações, o fenómeno é agravado pelo facto de ainda serem as vítimas a abandonar o lar.

Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), diz ser necessário "inverter a forma de actuação" para que "quem está em perigo possa ficar em casa e quem é perigoso saia".

Na opinião da especialista, a situação poderia ser minorada com uma maior aplicação de medidas de afastamento de agressor: "O projecto-piloto das pulseiras electrónicas começou em 2009 e este ano foi alargado a todo o país. Mas a verdade é que é pouco utilizado. Em muitos casos não vimos a aplicação dessa medida", lamenta.

Anualmente, são feitas cerca de 30 mil denúncias, existindo apenas 52 pulseiras no país. A secretária de Estado garante que não há falta de equipamentos, até porque "todas as pulseiras que foram necessárias até agora estavam disponíveis".

No caso do sistema de tele-assistência, "dos 50 aparelhos existentes estão em funcionamento apenas 20", frisou.

Teresa Morais garante que os dois programas, que deveriam terminar em breve, vão continuar em funcionamento, sendo "intenção da tutela da igualdade e do Ministério da Justiça reforçá-los".

Reconhecendo as vantagens da aplicação de mais medidas de afastamento, a secretária de Estado diz que em 2012 deverão decorrer acções de formação para dar a conhecer estas ferramentas: "acredito que ainda haja muitos magistrados que não conheçam este sistema".

As três associações defendem "tolerância zero para este tipo de crime", lamentando a realidade percepcionada pelos números: até ao segundo trimestre as autoridades receberam 14.508 participações de denúncias de violência doméstica mas, no terceiro trimestre do ano, estavam detidos nas cadeias portuguesas apenas 121 homens por violência doméstica.

As casas abrigo foram criadas como espaço de acolhimento temporário por seis meses, mas a crise tem vindo a prolongar a estadia das vítimas, por dificuldades na reorganização da sua vida.

"A saída das mulheres pode agora levar o dobro ou mais tempo", acrescentou João Lázaro.