Êxodo de milionários no país das cidades-fantasma

O que mais choca por estes dias numa qualquer visita à China é o número absolutamente desconcertante de edifícios novos abandonados e já a entrar em estado de decadência

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Reuters/arquivo

Um terço dos milionários chineses investe no estrangeiro com uma motivação nada consentânea com a prosperidade propagandeada pelos dirigentes chineses, revela um inquérito conjunto do Instituto de Pesquisa Hurun com o Bank of China. Com uma idade média de 42 anos, estes jovens ricos agem assim não só com medo de uma nova vaga de nacionalizações na China, mas também em resposta à galopante corrupção que permeia o dia-a-dia nas cidades chinesas.

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Um terço dos milionários chineses investe no estrangeiro com uma motivação nada consentânea com a prosperidade propagandeada pelos dirigentes chineses, revela um inquérito conjunto do Instituto de Pesquisa Hurun com o Bank of China. Com uma idade média de 42 anos, estes jovens ricos agem assim não só com medo de uma nova vaga de nacionalizações na China, mas também em resposta à galopante corrupção que permeia o dia-a-dia nas cidades chinesas.

Kong Lingping, um destes emigrantes de luxo em declarações a uma televisão local chinesa, mostra-se indignado pelo número de obras desnecessárias nas estradas que só servem para encher os bolsos dos funcionários públicos corruptos. Curiosamente, vários destes vistos de emigração financeira foram concedidos precisamente a ex-funcionários públicos. Estimativas do Governo chinês apontam para desvios na ordem dos 88 mil milhões de euros na última década por via de corrupção.

O medo de ser preso por se ser rico é uma constante num país onde 95% da riqueza acabou na mão de 5% da população e em que, em caso de crise, esses fundos seriam essenciais à alavancagem bancária, actualmente largamente dominada pela impressão de moeda por parte do Governo chinês. ??Este êxodo coloca várias questões ao progresso que se vive na China, inclusivamente em termos de estabilidade social, e, a longo prazo, ao seu próprio modelo de crescimento, principalmente no que toca ao país ser capaz de reter a riqueza que é nele produzida.??

Mas o que mais choca por estes dias numa qualquer visita à China é o número absolutamente desconcertante de edifícios novos abandonados e já a entrar em estado de decadência. Quando se analisa o estado financeiro das empresas que os construíram descobrimos que estão bastante bem, saudáveis e com ratings de AAA concedidos quer por agências chinesas quer pelas internacionais. Explicam-me que estas empresas têm avais do Banco Central Chinês e que portanto estão protegidas de entrarem em insolvência. O que faz com que continuem a construir torres de 300 apartamentos onde não mora ninguém mesmo que tenham sido construídas há cinco anos.

Foi este sentimento de desolação e impotência face à falta de lógica do ser humano global que resolvi partilhar convosco aqui de Nanning. Torres construídas não para serem habitadas, mas para que os seus construtores possam pedir mais dinheiro ao Banco Central da China que por sua vez tem de imprimir mais moeda, desvalorizando os salários e mantendo o ciclo de pobreza das classes mais pobres, cada vez mais esmagadas sob a estagnação da sua condição social.??

Só Nanning, em termos de valorização dos imóveis não-transacionados, representa 30% de toda a bolha especulativa americana, aquela que andamos a tentar resolver desde 2008. Enquanto isso a China aposta forte que a Europa vai recuperar enquanto dilapida as suas fabulosas reservas de moedas estrangeira, esquecendo-se que a Europa não fala a uma só voz mas a várias vozes desafinadas com um grito germano-francês a troar.