“A Mulher que Viveu Duas Vezes” (“Vertigo”), de Alfred Hitchcock (1958)

Muito poucos conseguem envolver tão completamente um conjunto de pessoas num rumo que os torne executantes perfeitos da sua concepção intelectual

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“D’entre les morts”, romance policial de Pierre Boileau e Thomas Narcejac, após tratamento, primeiro por Alec Coppel e depois por Samuel Taylor, tornou-se em “Vertigo”, filme famosíssimo de Alfred Hitchcock que disputa o título de “melhor” do realizador entre os que crêem em encontrar o “melhor”.

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“D’entre les morts”, romance policial de Pierre Boileau e Thomas Narcejac, após tratamento, primeiro por Alec Coppel e depois por Samuel Taylor, tornou-se em “Vertigo”, filme famosíssimo de Alfred Hitchcock que disputa o título de “melhor” do realizador entre os que crêem em encontrar o “melhor”.

Em Portugal, não pôde chamar-se “Vertigens”, talvez para remeter para as origens literárias da obra, talvez por se prever que uma mulher que viveu duas vezes seria mais vantajosa como chamariz dos cinéfilos por grosso, incluindo os mais recalcitrantes e os menos poéticos. Daí retiro o único benefício de se ter tornado um título coerente para a colecção que temos estado a fazer.

A mulher citada é interpretada por Kim Novak, mas tinha sido em Vera Miles que Hitchcock tinha pensado, para transformar em estrela de primeira grandeza a actriz que com ele tinha trabalhado em “O Falso Culpado”, em 1956, e a que depois daria papel secundário em “Psico” (1960). Kim Novak aproveitou a oportunidade e brilhou, ofuscando quase tudo o que nos tinha deixado antes e deixou depois, pois se outros houve que a tornaram interessante (“Piquenique”, de Joshua Logan), ninguém a fez brilhar tão intensamente.

De facto, muito poucos conseguem envolver tão completamente um conjunto de pessoas num rumo que os torne executantes perfeitos da sua concepção intelectual, para chegar aos que a apreciarão como uma sensação de grandeza artística. Este trabalho colectivo, esta sinfonia de cores, sons, expressões, gestos, humanidades, conduzido pelo génio de um homem, sai do ecrã para nos apanhar na sua obsessão essencial e nos atar como um feixe de lenha à espera do fogo ou nos arrastar como um náufrago para um redemoinho inevitável.

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O filme famosíssimo de Alfred Hitchcock que disputa o título de “melhor” entre os que crêem em encontrar o “melhor” DR

É essa força de atracção para o abismo que salta imediatamente da música inicial de Bernard Herrmann e das espirais estilizadas do genérico de Saul Bass, continuando com a história que nos é apresentada, tanto pela sua natureza como pelos recursos que o realizador utiliza para a representar, continuando com os cenários, o guarda-roupa, a caracterização, a fotografia, a iluminação, os efeitos visuais (e em tudo isto a cor, as cores), e a música, sempre a música, que se insinua em nós como um fantasma simbólico de todos os elementos perturbantes que vemos encaixar-se à nossa volta.

É por isso surpreendente que neste pesadelo sofrido por um homem escolhido para representar qualquer homem (James Stewart, no excelente papel de um investigador da polícia que sofre de vertigens), Hitchcock tenha incluído, em contradição com a música que nos persegue e com a acção que vai contra nós, explosões de cores e de luz que não esperamos em pesadelos, como quando se abre uma misteriosa porta das traseiras para mostrar uma loja de flores, ou o vestido verde revelador de Kim Novak, noutra “encarnação”.

Poderá ser aquele verde a cor do pesadelo? Para se poder apreciar tudo isso (incluindo a música) é mesmo importante ver a versão restaurada em 1996 por Robert A. Harris e James C. Katz, editada em DVD.