Reportagem: Egípcios resistem à polícia e ocupam a praça Tahrir
“O ambiente lembra o dia 28 de Janeiro”, recordou Saleh, um activista. “Sinto o mesmo do que em Janeiro, cheira a revolução e sabe bem”, afirmou Ahmad Ibrahim, membro do grupo contra os julgamentos militares de civis, numa conversa já perto das oito da noite, quando a multidão na Tahrir crescia.
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“O ambiente lembra o dia 28 de Janeiro”, recordou Saleh, um activista. “Sinto o mesmo do que em Janeiro, cheira a revolução e sabe bem”, afirmou Ahmad Ibrahim, membro do grupo contra os julgamentos militares de civis, numa conversa já perto das oito da noite, quando a multidão na Tahrir crescia.
Entre a manhã de sábado e a conversa com Ibrahim, horas de batalha campal, com os manifestantes a lançarem pedras contra a polícia e os agentes a disparem balas de borracha e gás lacrimogéneo, deixaram pelo menos 210 feridos, segundo a televisão nacional. Ibrahim não integra a contabilização mas coxeia: “Acertaram-me com uma bala de borracha na perna”.
Na “sexta-feira de uma exigência” – a de que o Conselho Supremo das Forças Armadas [conhecido no Egipto pela sigla inglesa, SCAF] transfira o poder para o Parlamento que os egípcios deverão começar a eleger no dia 28 – centenas de milhares de pessoas estiveram na Tahrir. Vários partidos tinham planeado apelar a um sit-in na praça até que o SFAC aceitasse manter as eleições presidenciais em Abril, em vez de arrastar o processo de transição até 2013, mas ao fim da noite a maioria decidiu dizer aos apoiantes para regressarem a casa.
Vítimas da revoluçãoNa Tahrir ficaram algumas centenas de pessoas, na sua maioria vítimas e famílias das vítimas dos protestos de Janeiro e de Fevereiro, organizados entretanto numa associação para exigir atenção aos sobreviventes e o julgamento dos responsáveis. Segundo vários testemunhos, a polícia chegou à praça às 9h30, decidida a expulsar estas pessoas.
Ibrahim passou a noite na Tahrir mas às 7h foi a casa tomar banho e descansar. Passava pouco das 9h30 quando os amigos que tinham ficado na praça lhe começaram a telefonar. O mesmo aconteceu com muitos activistas e egípcios que na sexta-feira tinham participado na manifestação.
O primeiro avanço da polícia, que recuou pelo meio-dia, saldou-se em pelo menos 25 detidos, na sua maioria activistas, disse ao PÚBLICO Mona Soueif (irmã do blogger Alaa Abd El Fattah, um dos mais respeitados no Egipto, preso desde o mês passado e a aguardar julgamento num tribunal militar).
A segunda investida começou pelas três da tarde, altura em que já havia milhares de pessoas na Tahrir. A polícia tentou entrar na praça por três ruas e os manifestantes resistiram ao seu avanço arremessando pedras. Algumas das ambulâncias que iam chegando ao local foram impedidas pela polícia de se aproximar dos feridos, a maioria ligeiros, com asfixia por gás e feridas de balas de borracha ou pedras – muitos agentes atiravam de volta as pedras lançadas pela multidão.
Uma carrinha celular deixada numa das entradas da praça no meio da confusão foi incendiada pelos manifestantes e ardeu durante quase três horas. As imagens da carrinha a arder passaram em directo na televisão egípcia. “Eles responsabilizaram bandidos e apelaram aos egípcios que se dirigissem à praça para defender os polícias”, conta Abd El-Halim, um jovem que desde Fevereiro se afastara da política e do activismo. “Não podia acreditar no que estava a ouvir. Tive de vir para aqui.”
Dispersão, reocupaçãoEram quase 18h quando a polícia decidiu entrar na praça, lançando continuamente gás e disparando balas de borracha. Seguiram-se duas horas de jogo do gato e do rato, com os agentes a conseguirem limpar a praça de manifestantes, empurrando-os para as ruas e pontes que ali desembocam. Os piores confrontos decorreram na zona da ponte Qasr al-Nil, entre o edifício da Liga Árabe e o enorme edifício com escritórios do Ministério do Interior, o maior de toda a praça, conhecido por Mogamma.
A multidão parecia derrotada e a manifestação dispersa. Mas, aos poucos, os grupos que antes tinham fugido do gás lacrimogéneo e das carrinhas militares recomeçam a avançar em direcção à Tahrir e a polícia, que pouco antes parecia ter a praça tomada, desapareceu. Alguns grupos de agentes mantiveram-se ao longe em pelo menos duas das ruas que dão acesso à Tahrir, incluindo a que permite chegar ao edifício do Conselho de Ministros.
Pelas nove da noite continuavam a chegar egípcios à praça, muitos com sacos de plástico cheios de garrafas de água e alguns com borrifadores com água ou leite, para melhor resistir ao gás que irrita os olhos e a garganta.
Alguns já erguiam cartazes com palavras de ordem contra o SCAF e o seu líder, o marechal Hussein Tantawi. Os slogans repetidos são os mesmos que usaram para derrubar Mubarak. Só mudam os nomes, e onde antes surgia o do ditador aparece agora o de Tantawi ou a palavra marechal: “Liberdade, liberdade”; “O povo quer a queda do marechal”; “A Praça é do povo”.
“Estou cansada de tentar perceber porque é que nos atacaram. Julgo que é uma sobreposição de dois motivos. Por um lado, é bom manterem este estado de coisas, tudo a arder, para dizerem que são necessários. Mas também acho que o Ministério do Interior simplesmente não sabe fazer as coisas de outra forma. Eles não sabem lidar com protestos pacíficos, só sabem responder com violência”, diz Mona Soueif. “Provavelmente vão tentar usar isto para adiar as eleições”, afirma, ecoando uma opinião partilhada por muitos dos que encheram a Tahrir neste sábado.
“Isto parece-se muito com Janeiro e Fevereiro. Espero que seja uma nova vaga de revolução para acabarmos de vez com o poder das estruturas militares. Espero que todos queiram ficar aqui”, acrescenta a activista. “Há bocado estávamos a brincar com o facto de se estar a aproximar o Inverno. A revolução parece gostar do Inverno.”