Na companhia de Luiz Schwarcz
Quando "Ensaio sobre a Lucidez" de Saramago foi lançado mundialmente em Lisboa, o editor brasileiro do Prémio Nobel da Literatura português, Luiz Schwarcz, tinha de fazer um discurso e ia aproveitar para o escrever na viagem de avião. O voo de São Paulo para Lisboa atrasou por causa da confusão provocada por um passageiro com Alzheimer que desejava ir "a qualquer custo, directamente para Faro, sem passar por Lisboa". Enquanto a tripulação acalmava o passageiro, o fundador da Companhia das Letras (editora fundada com a mulher, a académica Lilia Moritz Schwarcz) viu entrar uma equipa de paramédicos que saiu do avião com o piloto quase inanimado. Tinha tido um ataque de coração. O atraso provocado pelo doente de Alzheimer acabou por salvar a vida do comandante.
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Quando "Ensaio sobre a Lucidez" de Saramago foi lançado mundialmente em Lisboa, o editor brasileiro do Prémio Nobel da Literatura português, Luiz Schwarcz, tinha de fazer um discurso e ia aproveitar para o escrever na viagem de avião. O voo de São Paulo para Lisboa atrasou por causa da confusão provocada por um passageiro com Alzheimer que desejava ir "a qualquer custo, directamente para Faro, sem passar por Lisboa". Enquanto a tripulação acalmava o passageiro, o fundador da Companhia das Letras (editora fundada com a mulher, a académica Lilia Moritz Schwarcz) viu entrar uma equipa de paramédicos que saiu do avião com o piloto quase inanimado. Tinha tido um ataque de coração. O atraso provocado pelo doente de Alzheimer acabou por salvar a vida do comandante.
O editor brasileiro não chegou a escrever o discurso, começou no avião aquilo que pensava ser o início de um romance. Acabou por ser o seu segundo livro de contos, "Linguagem de sinais", publicado no Brasil o ano passado. O livro começa em Lisboa e termina em Faro, no cemitério judaico, dica dada por Alberto Manguel (um dos seus autores), já que o editor nunca esteve na cidade algarvia. Os seus livros ainda não estão publicados em Portugal, mas Schwarcz escreve todas as semanas crónicas sobre a relação do editor com os autores e memórias de família, no Blog da Companhia (www.blogdacompanhia.com.br).
Não era a primeira vez que pensava que ia escrever um romance. "Aconteceu de novo. Era para ser mais, era para ser outro, era para ser romance, não é", escreve no posfácio do seu livro. É esta a sina do homem que se formou em administração de empresas para seguir o negócio da família e numa mudança de rumo, há 25 anos, fundou a editora mais carismática do Brasil: a Companhia das Letras. Onde ele iria publicar só os livros que gostaria de ler. "Buscaria livros escritos com qualidade mas teria uma mirada para o público também. Queria que a editora usasse a literatura como factor de atracção e não de exclusão", explica numa conversa que aconteceu na Feira do Livro de Frankfurt. "Talvez tenha sido bem-sucedido. A Companhia das Letras se transformou numa empresa maior do que imaginei. É uma editora que procura ser honesta com o prazer literário. Tem uma postura de respeito à literatura, o que envolve respeitar o leitor na qualidade do papel, na escolha tipográfica."
Catálogo vivoNo início, Schwarcz dizia que se tratava da editora dos livros que gostava de ler. Se calhar agora não é tanto assim. O mercado mudou.
"Como hoje publicamos 285 livros por ano, há títulos que não passam pela minha leitura. Hoje a Companhia é uma empresa formada por muitos editores que foram criados dentro da empresa. Não há só livros que eu gostaria de ler mas acredito que gostaria de ler ou até que eu tenha lido. Pelo menos não há livros dos quais eu me envergonhe."
É uma editora caracterizada por um catálogo que se mantém vivo. Neste ano da comemoração dos 25 anos um dos livros que voltou a ser públicado é "O Ano da Morte de Ricardo Reis", de Saramago. Miguel Sousa Tavares mudou para a Companhia e "Equador" saiu com uma nova capa e com um prefácio da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz. "O Miguel é um autor em que temos orgulho. O José Luís Peixoto também passou a ser nosso autor, no próximo ano vamos publicar o último romance dele, ‘Livro'".
São cerca 3400 títulos publicados. "Desses, três mil estão vivos. A editora conseguiu encontrar uma forma de crescer, de ser uma empresa lucrativa e poder continuar num estilo que está desaparecendo no mercado. Mesmo um autor que não vende, em muitos casos continuamos a publicar. Às vezes, a relação com alguns autores está chegando no momento em que temos de parar mas fazemos isso com uma dor significativa."
Um exemplo bem-sucedido é o de Bernardo Carvalho. "Ele só teve sucesso no sétimo livro. Até ‘Nove noites' vendia bastante pouco. Este romance levou o Bernardo para um patamar superior. Há uma autora de que gostamos muito, Elvira Vigna. O último livro ["Nada a Dizer", finalista do Prémio Portugal Telecom de Literatura 2011] já acreditávamos que teria sucesso, não teve. Mas o próximo acreditamos que vai ter."
No catálogo da editora, 75 por cento são obras de estrangeiros. Mas a Companhia das Letras tem também os direitos de publicação das obras de Vinicius de Moraes, Erico Verissimo, Jorge Amado e Lygia Fagundes Telles. Começa a publicar a obra de Carlos Drummond de Andrade em 2012: durante os próximos quatro anos, os 44 volumes das obras completas do escritor sairão em versão impressa e em e-book. Drummond é uma espécie de "poster boy" das comemorações dos 25 anos. "Estamos no período de quarentena deixando a edição anterior circular mas fizemos essa edição do ‘Poema de sete faces', traduzido para sete línguas, que é muito bonita. É só um mimo, para celebrar". Luiz não acha que a obra estivesse mal publicada na outra editora. "A família decidiu mudar de editora e estamos trabalhando com um grupo qualificado, uma curadoria. As edições vão ser caprichadas com todo o respeito à forma como estava sendo editada a obra pela outra editora", explica.
Em São Paulo, a Companhia fez uma associação com a Livraria Cultura onde tem um espaço com todos os livros do catálogo. Além de alguns exemplares na FNAC ou na Book House, se quisermos comprar livros da Companhia das Letras em Portugal como fazemos? "O distribuidor que existia no passado não existe mais. É muito difícil, essa é uma área em que não fomos bem sucedidos. Os nossos planos de expansão não chegam a esse ponto. É muito difícil conseguir operar uma empresa fora e, por enquanto, essa é uma situação que é um dos fracassos da Companhia das Letras. Mas no nosso site há um serviço de venda internacional."
Tem havido uma expansão de grupos editoriais portugueses para o Brasil, como a Leya ou o Babel. Já quiseram comprar a Companhia? "Já quiseram várias vezes. Os espanhóis, os portugueses, mas não houve afinidade para tal." Mas não se passa o inverso. A Companhia das Letras nunca se quis internacionalizar? "Não somos uma empresa tão grande assim. O crescimento da editora foi no sentido da conquista de novos autores e já é difícil administrar isso. Entre contratar autores como Drummond ou Pedro Nava e começar um negócio fora do Brasil, não me sinto muito motivado para o fazer. É mais uma questão de motivação pessoal. De a empresa não ter formado quadros que tenham essa ambição. Mas quem sabe um dia..."