Lou Reed "meets" Metallica: primeiras impressões
Moral da história: um grande album para Lou Reed, um esforço dispensável para os Metallica. E a culpa é toda do marketing
Sendo um anónimo fã dos Metallica e de Lou Reed, aguardei com expectativa este esforço inspirado em parte pelo repto de Reed lançado a Hatfield, para que a banda construísse uma obra sobre as fundações de um perdido acompanhamento para as peças de Frank Wedekind.
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Sendo um anónimo fã dos Metallica e de Lou Reed, aguardei com expectativa este esforço inspirado em parte pelo repto de Reed lançado a Hatfield, para que a banda construísse uma obra sobre as fundações de um perdido acompanhamento para as peças de Frank Wedekind.
Já estava um pouco mais curioso desde que baniram a publicidade com a capa do disco no metropolitano de Londres. Ao menos, não se adoptou por uma versão asséptica da capa para disfarçar e Lou Reed limitou-se a dizer que estava "desiludido com a cidade mais alternativa da Europa" (certamente esquecendo-se de todas as cidades alemãs, holandesas e nórdicas). Mas, ao mesmo tempo que se aproximava o dia de compra era claro que a grande maioria das críticas eram negativas e quanto mais próximas do mundo dos Metallica pior.
Moral da história: um grande album para Lou Reed, um esforço dispensável para os Metallica. E a culpa é toda do marketing. Passo a explicar:
As letras nada têm a ver com o imaginário da banda de LA e tudo a ver com o imaginário do Lou Reed de "Lulu on the Bridge". Versos como "I beg you to degrade me/ Is there waste that I could eat/ I am a secret lover/ I am your little girl/ Please spit into my mouth/ I'm forever in your swirl" são uma "trademark" inviolável de um "performer" que há muito deixou de ter barreiras na expressão das permutações da sexualidade.
"Thrash metal" e sexo sempre casaram mal, as mulheres são "fucked", claro, mas de uma forma genéria e embriagada associadas a uma certa inocência nas coisas da intimidade. O "thrasher" resolve as emoções com violência, mas é uma violência erupcional, não parte de uma personalidade distorcida para além do desvio da agulha social que lhe foi imposta.
Apenas "Junior Dad"
Sem as desculpas que os seus sucedâneos trariam mais à frente, mas mesmo assim limitada a reagir à ferida que dói. Sendo assim, há logo uma perda de empatia da minha parte como fã dos Metallica. Mas o lirismo de Lou Reed ganha-me por completo, especialmente quando faz um esforço no sentido do fraseado musical do duo Hetfiedl/Ulrich, como em "Junior Dad", que é a única música que eu imagino poder vir a fazer parte de alguma "box" deles no futuro.
Portanto um dos mais viscerais esforços de Lou Reed. Nesse sentido, o seu melhor album literário desde "The Raven", onde o acompanhamento "thrash" soa decorativo à intensidade das palavras, num registo herético de "power ballad", como em "Iced Honey". Mas o que para os Metallica é comprometer a sua integridade musical, para o grande Mefistófoles do rock é apenas uma provocação menor. Aquela horrível introdução em "The View", que parece um plágio despudorado de "Yellow", dos Coldplay, é apenas uma nota de rodapé menos clara numa deliciosa sessão de "poetry slam".
A culpa acaba por ser do marketing feito à obra. Acharam que puxando dos galões dos Metallica iriam abrir o produto a um público maior, mas acabaram por expôr de forma confrangedora a maior fraqueza de todo o registo. Acho que este álbum deveria chamar-se "Lulu: words from the Venerable Lou Reed CLumsily Arranged by Hatfield and Ulrich".