Mensagem de ouro
Estava a precisar de uma rajada de energia positiva. Os dias no Gabú, Este da Guiné-Bissau, tinham sido a doer
Nunca mais esquecera as reportagens sobre teatro representado num bairro periférico de Bissau. Textos de repórteres enviados de Portugal no rescaldo da chamada “Guerra de 7 de Junho” – o confronto que em 1998 opôs antigos companheiros de armas e durou onze meses.
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Nunca mais esquecera as reportagens sobre teatro representado num bairro periférico de Bissau. Textos de repórteres enviados de Portugal no rescaldo da chamada “Guerra de 7 de Junho” – o confronto que em 1998 opôs antigos companheiros de armas e durou onze meses.
Já não há um grupo em cada região a fazer teatro para promover os direitos das crianças, como chegou a acontecer em 1997, o ano inaugural. Resta um, o tal, o Netos de Bandim. Netos de Bandim tocam, dançam, fazem teatro a partir de problemas que bem conhecem. Fui vê-los a 4 de Novembro, num largo de lombas e covas. Ao final de cada sexta-feira, no Bairro de Bandim, tudo converge para ali, para a frente da casa de Hector, o animador da Associação dos Amigos da Criança (AMIC) que mantém o grupo renovado.
Estava a precisar de uma rajada de energia positiva. Os dias no Gabú, Este da Guiné-Bissau, tinham sido a doer. Conhecera mulheres que ganham a vida a fazer mutilação genital, encravadas entre uma nova lei que proíbe tal prática e um poder tradicional que ameaça lançar uma praga sobre as que entregarem as facas. E uma mulher a valer por todas, uma parteira que apanha sequências casamento precoce/ mortalidade materna-infantil. E ainda anda preocupada com os direitos de quem padece num calaboiço que cheira a rato.
Fui com o Fernando, o administrador da AMIC. Estacionou em frente a instalações do PAIGC. Caminhámos entre casas abarracadas, porcos, galinhas, arames carregados de roupa. De repente, ouvimos os tambores. E lá estavam os músicos, os bailarinos, muita gente à volta.
A música era uma festa. Depois dela, a peça: uma “Cinderela” à moda da Guiné. Imagine que a madrasta não lhe dava tempo para estudar, como fazia com a filha. Mandava-a para a rua vender batata-doce. Se não vendesse, briga. Se refilasse, porrada. Um dia, a miúda fugiu para casa da mãe. O pai foi reclamá-la. E os tios maternos correm-no ao soco e ao pontapé. Era uma narrativa simplíssima, construída por Hector e pelos miúdos que gravitam em seu redor. Um modo divertido de passar uma mensagem num país marcado pelo analfabetismo. E a mensagem era de ouro: “Quem ama, cuida”. Onde é que eu já ouvi isto?
Artigo corrigido às 12h56, alterando 4 de Outubro para 4 de Novembro.