Palavras de honra

Sim, é verdade, há qualquer coisa de antiquado na nova realização de George Clooney, que “Nos Idos de Março” confirma (depois do excelente “Boa Noite e Boa Sorte”) ser a boa consciência de um certo “mainstream” americano, herdeiro possível do cinema político dos anos 1970 que Alan J. Pakula, Martin Ritt ou Sidney Lumet assinaram (embora a referência mais evidente, aqui, seja Michael Ritchie e “O Candidato”). Há aqui telemóveis, computadores, sondagens, blogues, mas a política americana não mudou tanto em quarenta anos que não se continue a resumir a palavras - e o que Clooney filma nesta adaptação de uma peça teatral de Beau Willimon sobre os bastidores de uma campanha eleitoral são exactamente palavras. Ou melhor, a acção das palavras, o modo como todo o jogo da política e do poder (e, que não haja dúvidas, é um jogo) se resume a palavras. Palavras - que coisa tão fora de moda no cinema americano “mainstream” recente, que bem que Clooney as encena, as ritma, as encadeia, com a ajuda de um elenco em ouro.

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Sim, é verdade, há qualquer coisa de antiquado na nova realização de George Clooney, que “Nos Idos de Março” confirma (depois do excelente “Boa Noite e Boa Sorte”) ser a boa consciência de um certo “mainstream” americano, herdeiro possível do cinema político dos anos 1970 que Alan J. Pakula, Martin Ritt ou Sidney Lumet assinaram (embora a referência mais evidente, aqui, seja Michael Ritchie e “O Candidato”). Há aqui telemóveis, computadores, sondagens, blogues, mas a política americana não mudou tanto em quarenta anos que não se continue a resumir a palavras - e o que Clooney filma nesta adaptação de uma peça teatral de Beau Willimon sobre os bastidores de uma campanha eleitoral são exactamente palavras. Ou melhor, a acção das palavras, o modo como todo o jogo da política e do poder (e, que não haja dúvidas, é um jogo) se resume a palavras. Palavras - que coisa tão fora de moda no cinema americano “mainstream” recente, que bem que Clooney as encena, as ritma, as encadeia, com a ajuda de um elenco em ouro.


Sim, é verdade, a história de “Nos Idos de Março” não é nada do outro mundo nem nada que não tivesse sido já contado muitas vezes antes: é a história do idealista que está na política por fé, por crença, por esperança, e que dá por si desencantado após o embate de frente com o compromisso e o jogo sujo sem o qual a vitória pode não ser possível. O idealista é, aqui, Ryan Gosling, no papel do responsável mediático da campanha de um governador democrata à nomeação para presidente, um trintão que ainda acredita na decência do candidato que representa (o próprio Clooney, num pequeno papel). Mas o que interessa é que Clooney/realizador é capaz de nos fazer esquecer a quantidade de vezes que já vimos esta história contada, com a ajuda (lá está) de um elenco em ouro que dá esperança, alma, densidade, a personagens que podiam parecer decalques despachados dos arquétipos do filme político.

Em vez disso, Marisa Tomei e Philip Seymour Hoffman agarram em três cenas o cansaço de quem já viu tudo, Paul Giamatti noutras três o cinismo e o calculismo de quem já não sabe viver de outro maneira. E tudo repousa nos ombros de Ryan Gosling, cada vez mais o grande actor americano do momento - veja-se o modo como a sua fachada de profissional se desmorona quando se viram contra ele, como o puto que de repente dá por si fora de pé ressurge por um breve instante no seu rosto, e perceba-se o grande actor que ele é e o modo como Clooney sabe agarrar esse instante no momento exacto. Não é tão fácil de garantir como isso - e é essa dimensão humana, que “Nos Idos de Março” consegue dar à chapa quatro da política, que faz dele um belo filme clássico, sólido, atento, inteligente, daqueles que Hollywood já parece ter esquecido de saber fazer.

E mesmo que não seja tão bom como “Boa Noite e Boa Sorte” (que tinha, é verdade, uma outra ambição e uma outra agenda), é bom que filmes assim continuem a existir.