Jovens e nómadas

Desconhecem a ideia de uma “carreira”, um “lugar” ou um “posto”. Circulam no ciberespaço e dominam como ninguém a lógica do “link” e do hipertexto

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Pedro Cunha

Acampam nas praças, mas acabam por levantar a tenda. Jamais pertenceram a uma classe social e a sua filiação é a tribo, a multidão ou a cena. Desconhecem a ideia de uma “carreira”, um “lugar” ou um “posto”. Circulam no ciberespaço e dominam como ninguém a lógica do “link” e do hipertexto. Viajam de referência para referência, de imagem para imagem, de mundo para mundo, a um ponto tal que se transformam, eles próprios, em fluxos e palimpsestos, de camadas aleatoriamente descontínuas. Aves migratórias, diz José Machado Pais, muito mais feliz na aproximação poética. Habitam pois a fronteira: umas vezes estão do “lado de lá”, outras, do “lado de cá”. Nessa pluralidade de mundos, edificam repertórios mesclados, heterogéneos, mas que podem ruir como um castelo de cartas ao mais leve soprar do vento.

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Acampam nas praças, mas acabam por levantar a tenda. Jamais pertenceram a uma classe social e a sua filiação é a tribo, a multidão ou a cena. Desconhecem a ideia de uma “carreira”, um “lugar” ou um “posto”. Circulam no ciberespaço e dominam como ninguém a lógica do “link” e do hipertexto. Viajam de referência para referência, de imagem para imagem, de mundo para mundo, a um ponto tal que se transformam, eles próprios, em fluxos e palimpsestos, de camadas aleatoriamente descontínuas. Aves migratórias, diz José Machado Pais, muito mais feliz na aproximação poética. Habitam pois a fronteira: umas vezes estão do “lado de lá”, outras, do “lado de cá”. Nessa pluralidade de mundos, edificam repertórios mesclados, heterogéneos, mas que podem ruir como um castelo de cartas ao mais leve soprar do vento.

Falam amiúde em nome próprio, porque imaginam que tudo começa e acaba no seu território íntimo. São “indivíduos” ou pelo menos assim se imaginam, embora festivos e amplamente relacionais (longe, por isso, dos agentes “emancipados” e “livres” das “escolhas racionais” da implacável economia neo-clássica). Enquanto senhores de si, cabe-lhes “desenvolver competências” (de preferência para um certo mercado de trabalho, o tal que desconhece postos, situações ou carreiras), garantir a “empregabilidade”, o “sucesso”, a “autonomia” e a”criatividade”. Quando minguam os recursos – e isso acontece cada vez mais – sentem-se não raras vezes os responsáveis do seu fracasso. Aliás, as instituições, prisioneiras desta lógica da auto-produção dos indivíduos, serão as primeiras a apontar-lhes o dedo. O fracasso, assim como o sucesso, são tão pessoais quanto o seu nome próprio.

Estes nómadas, especialistas do atravessamento de fronteiras, "go-betweens" por opção e obrigação, detestam ficar aprisionados a uma das margens – mas é isso o que cada vez mais lhes acontece. Cosmopolitas de sofá ou de "low cost", arriscam-se à imobilidade forçada. Para não esmorecerem perante o cimento do fracasso, imaginam-se “empreendedores”. Toda a vida é um eterno projecto, uma sucessão de instantâneos, nada é para sempre, nada dura. Cada tentativa é um esboço, uma improvisação, uma arte. Trabalham como precários e em situação de instabilidade permanente, mas não são precários, são “artistas”, “desenvolvem ideias” – sem lei, nem rei, sem “patrão” ou horário. Ao final do dia, contudo, no ressoar metálico das doze badaladas, regressam ao lar da sagrada família e transmutam-se, de novo, nos prisioneiros das casas.