A primeira mulher chegou à Fórmula 1 por causa de uma aposta entre irmãos

Foto
O acidente de Maria Teresa de Filippis no circuito da Boavista, em 1958 Foto: Arquivo Francisco Santos

Maria Teresa, que completa 85 anos em Novembro, é uma mulher de cabelos brancos que volta agora a Portugal, um país que tem um lugar especial na sua carreira de piloto. É que foi no circuito da Boavista, no Porto, que realizou a segunda das suas três corridas na Fórmula 1, em Agosto de 1958.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Maria Teresa, que completa 85 anos em Novembro, é uma mulher de cabelos brancos que volta agora a Portugal, um país que tem um lugar especial na sua carreira de piloto. É que foi no circuito da Boavista, no Porto, que realizou a segunda das suas três corridas na Fórmula 1, em Agosto de 1958.

“Lembro-me que era um circuito muito difícil e perigoso. Tive um acidente tremendo, porque choquei contra um poste de iluminação”, recorda Maria Teresa de Filippis, que fala ao PÚBLICO por telefone e com o marido, Theo Huschek, a servir de intermediário. Não só por causa da língua, mas acima de tudo pelas dificuldades auditivas desta ex-piloto, que perdeu a audição num dos ouvidos desde os tempos em que fazia corridas de automóveis. “Ela não só não ouve muito bem, como só ouve o que quer”, brinca o marido, dando razão aos que falam de uma mulher com personalidade forte.

Essa forma de estar na vida, aliás, é em boa parte a explicação de ter sido pioneira num mundo que antes, durante e após a sua passagem pela Fórmula 1 sempre foi dominado por homens. “Ela começou a correr por causa dos irmãos. Um deles disse que ela só era boa a andar de cavalo e outro dizia que ela também seria boa nos carros. Por isso, fizeram uma aposta. Ela entrou numa corrida com o carro da família e ficou em segundo logo na primeira corrida, em Cava dei Tirreni. Na semana seguinte, ganhou uma corrida e decidiu que era o seu futuro”, conta Theo Huschek.

Aos 22 anos, Maria Teresa começava o percurso que a levaria, algum tempo depois, a abrir uma página inédita na história da Fórmula 1. Em 1958, esteve no Mónaco mas não conseguiu a qualificação para o Grande Prémio. Poucas semanas depois, voltou a tentar a sorte na Bélgica, onde ficaria no 10.º lugar, numa corrida em que grandes pilotos, como Jack Brabham, Graham Hill e Stirling Moss, não chegaram ao fim. Foi a primeira vez que uma mulher terminou uma corrida na F1. De Filippis esteve depois em Portugal e em Itália, onde (sempre ao volante de um Maserati 250 F) não chegou ao fim. E, pelo meio, viveu “um dos momentos mais tristes” da sua vida.

A recusa machista

Tudo aconteceu no Grande Prémio de França de 1958, para o qual a Maserati a inscreveu. “O director, Toto Roche, recusou a participação dela, por ser mulher. Toto Roche foi à conferência de imprensa, mostrou uma grande fotografia da Maria Teresa e disse: “Uma jovem tão bonita como esta não deve usar nenhum capacete a não ser o secador do cabeleireiro.” Quando soube, ela ficou furiosa e disse que se o tivesse à frente o teria esmurrado”, conta o marido da italiana, uma mulher de uma família rica de Nápoles que nunca aceitou ordens fosse de quem fosse.

“Maria Teresa é de uma família extremamente rica do Sul de Itália e sempre foi educada segundo a ideia de que ninguém no mundo podia dizer fosse o que fosse a um De Filippis. Por isso é que ela nunca correu pela Ferrari, porque nunca quis ser mandada”, conta Theo.

Il pilotino

, como ficou conhecida em Itália, desistiu da Fórmula 1 logo em 1959, um ano depois de entrar. E a explicação é muito simples: cansou-se de ver os amigos morrerem. “Naquela altura os pilotos eram todos amigos, quase como uma família. Não é como hoje”, afirma o marido. “Ela parou porque, em 1959, o Jean Behra morreu em Avus [Alemanha] num carro em que a Maria Teresa devia correr. Depois disso, deixou as corridas e dedicou-se à família”, conta Theo, que conheceu a senhora De Filippis precisamente nas corridas de automóveis, quando era apenas um fã como outro qualquer.

Depois de Maria Teresa, apenas mais uma mulher logrou participar numa corrida de Fórmula 1 e outras três estiveram em sessões de qualificação (ver caixa). Mas porque será que a competição não atraiu mais mulheres? “Costumo dizer que quando se olha para os pilotos e se vê os pescoços musculados deles, nenhuma mulher quer ser assim. Isso pode ser uma explicação, mas não tenho a certeza”, responde De Filippis, admitindo que as mulheres “estranhamente” também nunca tiveram grande apoio dos patrocinadores.

Maria Teresa continua ligada ao automobilismo (é vice-presidente da Associação de Antigos Pilotos da F1), mas já não acompanha muito a modalidade. Os seus heróis são Fangio e Senna e não tanto Alonso e Vettel, até porque a tecnologia da actualidade lhe faz alguma confusão. “Ela pergunta-se como é que os rapazes conseguem lidar com aqueles botões todos [no volante do carro de Fórmula 1]. Às vezes, tem a sensação de que não são eles a conduzir o carro, mas sim o carro a conduzir os pilotos”, conclui Theo, fã número um da senhora Fórmula 1. “É difícil explicar quão especial ela é.”


Mulheres na F1

Apenas duas em corrida, cinco no total

Apenas duas mulheres (Maria Teresa de Filippis, na foto, e Leila Lombardi) participaram em corridas de F1. A primeira esteve em três Grandes Prémios em 1958 (Bélgica, Portugal e Itália). Já Lombardi esteve em 12 corridas (1974 a 1976) e foi mesmo a única a pontuar (meio ponto pelo 6.º lugar no GP de Espanha de 75). Depois, a britânica Divina Galica (1976-78), a sul-africana Desiré Wilson (1982) e a italiana Giovanna Amati (1992) tentaram participar em corridas, mas não atingiram o tempo mínimo para participar na prova.