Raparigas violentas são remetidas para “notas de rodapé”

Tese de doutoramento sobre delinquência juvenil no feminino concluiu serem necessários novos programas de intervenção, assim como a distinção por género

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“90% das jovens que estão em centro educativo têm histórico de institucionalizações anteriores Manuel Roberto/arquivo

Até parece de propósito, se recordarmos as imagens que correram a Internet e as televisões há uns meses: numa gravação feita por um rapaz, com recurso a um telemóvel, duas jovens agridem violentamente uma outra. Imediatamente se geraram debates e se fizeram análises à sociedade portuguesa, mas já Vera Duarte, socióloga e docente do ensino superior, estava a estudar a delinquência juvenil no feminino.

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Até parece de propósito, se recordarmos as imagens que correram a Internet e as televisões há uns meses: numa gravação feita por um rapaz, com recurso a um telemóvel, duas jovens agridem violentamente uma outra. Imediatamente se geraram debates e se fizeram análises à sociedade portuguesa, mas já Vera Duarte, socióloga e docente do ensino superior, estava a estudar a delinquência juvenil no feminino.

Quando começou a interessar-se pelo estudo da marginalidade e criminalidade dos mais jovens, “não havia absolutamente nada sobre a delinquência juvenil no feminino em Portugal”. Em 2008, a socióloga realizou 19 entrevistas a jovens na área da Grande Lisboa, em acompanhamento educativo, e foram analisados, na totalidade, 27 processos individuais, com base nos quais foi feita a “caracterização sociográfica da delinquência juvenil".

"Discursos e Percursos na Delinquência Feminina" – assim se intitula a tese de doutoramento defendida, na passada semana, na Universidade do Minho - conclui ser necessário trabalhar estatísticas e inquéritos “de delinquência auto-revelada”, diferenciados por género, por forma a identificar especificidades inerentes ao comportamento juvenil masculino e feminino.

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Vera Duarte, socióloga, defendeu uma tese intitulada Discursos e Percursos na Delinquência Feminina na Universidade do Minho

“As estatísticas não ajudam muito na análise desta realidade, porque é muito difícil encontrarmos números desagregados por género”, explica. Apenas é possível ter uma “imagem geral da delinquência juvenil”, quer nas estatísticas dos tribunais quer da polícia. O fenómeno, no feminino, é “invisível” e remetido para “notas de rodapé”.

“Quer a rapariga quer a mulher, em regra, têm sido retratadas como vítimas e, portanto, tendem a desaparecer um pouco do cenário como agressoras. E quando surgem no quadro da delinquência ou da criminalidade são perpetuadas uma série de imagens e de representações estereotipadas, normalmente relacionadas com as diferenças de género, que invariavelmente conduzem a explicações ligadas à biologia", observa. 

A socióloga defende mais investigação sobre este tema

Quanto à ideia generalizada da existência de um “certo aumento da violência feminina”, a docente do Instituto Superior da Maia (ISMAI) considera que tal acepção pode reflectir, além de um eventual aumento real, uma sociedade “mais atenta, mais disposta a perceber o fenómeno e a condená-lo”.

Vera Duarte fala do desconhecimento acerca da delinquência juvenil

Intermitências do sistema

Ao nível da prevenção, Vera defende a “criação de espaços de relação, nas escolas e nos bairros, porque, de facto, as raparigas dão um valor e uma importância muito grande às questões relacionais com família e amigos”.

E como qualquer trabalho científico que se preze, Vera Duarte termina apontando um caminho a seguir ao nível da investigação. “Dou-me conta que muitas das jovens que estão em centros educativos ou a cumprir medidas tutelares, institucionais ou não, vieram de lares de infância e juventude, da Segurança Social”, diz.

Não querendo, ainda assim, “fazer relações causais, algo que não seria prudente”, Vera continua. “Noventa por cento das jovens que estão em centro educativo têm histórico de institucionalizações anteriores e, quando consultamos alguns estudos sobre a criminalidade feminina, damo-nos conta de que uma percentagem das que estão, por exemplo, em prisão, também passaram por centros educativos e por lares”, considera a docente universitária. Perceber o que acontece a algumas das jovens “na intermitência dos vários sistemas” é, para Vera Duarte, fundamental.