"Claraboia": o livro esquecido de Saramago
O segundo romance da juventude do Nobel português foi finalmente publicado - e em nada desmerece a sua obra
Este livro conta duas histórias. No início dos anos 50, as vidas dos habitantes de um prédio cruzam-se sob o clima de um Portugal austero e subjugado pelos costumes. Pela mesma altura, um jovem de 30 anos que viria a ser Nobel acaba o seu segundo romance e entrega-o a uma editora. Só quarenta anos depois viria a receber uma resposta, quando já se tinha tornado um dos mais aclamados escritores portugueses de sempre.
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Este livro conta duas histórias. No início dos anos 50, as vidas dos habitantes de um prédio cruzam-se sob o clima de um Portugal austero e subjugado pelos costumes. Pela mesma altura, um jovem de 30 anos que viria a ser Nobel acaba o seu segundo romance e entrega-o a uma editora. Só quarenta anos depois viria a receber uma resposta, quando já se tinha tornado um dos mais aclamados escritores portugueses de sempre.
Recuperado o manuscrito, Saramago recusou a sua publicação enquanto fosse vivo. Agora, mais de meio século depois de o ter concluído, "Claraboia" foi publicado.
Ficamos com a inquietante sensação de que o desinteresse pela publicação deste romance foi, pelo menos, uma das razões que levou Saramago ao interregno de vinte anos na sua produção literária. Olhando para a qualidade e solidez que a sua escrita já demonstrava, só podemos lamentar a falta que esses vinte anos de livros nos fazem.
Porque deves ler este livro?
"Claraboia" é uma narrativa simples e divertida, embora partilhe igualmente da força e profundidade que definiria toda a obra posterior de Saramago. Deste livro até agora inédito, o autor disse certa vez que "tanto quanto me recordo, tem coisas que já têm que ver com o meu modo de ser." E nós concordamos.
Embora ainda não se encontrem em "Claraboia" as características que aproximam a sua escrita da oralidade, concretizadas no uso particular da sintaxe e da pontuação que distinguiu o seu estilo, já surge aquilo que mais tarde seria a "marca" de Saramago. Encontramos assim a ironia e o olhar acutilante e certeiro sobre as relações humanas, e somos surpreendidos com a segurança com que o então jovem escritor perscruta o interior destes personagens memoráveis, onde até já se incluem exemplos das mulheres, oprimidas mas fortes, que povoariam os seus romances posteriores.
Estas pessoas que habitam o prédio dão-nos uma espécie de "slice of life" delicioso, enquanto se desenha uma narrativa sólida e, principalmente tendo em conta a época em que foi escrita, provocante. A história não envelheceu – amadureceu, como se se tratasse de uma sátira à actualidade usando um Portugal de outros tempos (incluindo até referências à "crise").
E, claro, temos de referir a melhor de todas as razões para ler este livro: podermos finalmente saborear um dos derradeiros pedaços da prodigiosa obra de José Saramago.