Shoppings: aceitam-se diplomas, mas não se paga mais por isso
Socióloga estudou trabalhadores dos centros comerciais. Licenciados procuram esta alternativa como trabalho temporário, mas nem sempre ficam pouco tempo
Um diploma debaixo do braço não é uma vantagem na hora de decidir o salário de um trabalhador num centro comercial em Portugal. Mas também já não é impeditivo para uma contratação: as lojas aceitam empregar licenciados, desde que não tenham de lhes pagar mais.
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Um diploma debaixo do braço não é uma vantagem na hora de decidir o salário de um trabalhador num centro comercial em Portugal. Mas também já não é impeditivo para uma contratação: as lojas aceitam empregar licenciados, desde que não tenham de lhes pagar mais.
Esta é uma das principais conclusões de um estudo elaborado por Sofia Alexandra Cruz, investigadora no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto e docente da Faculdade de Economia da mesma universidade. "Em termos de remuneração, os licenciados não são privilegiados, mas as lojas começam a recrutar preferencialmente pessoas mais formadas", disse ao P3, citando conclusões do seu livro "O Trabalho nos Centros Comerciais".
Francisca Fulgencio, 25 anos, sabe bem do que a socióloga fala. Quando terminou a licenciatura em Som e Imagem, na Universidade Católica do Porto, foi para casa "mandar currículos". Enviou muitos. Fez trabalhos como "freelancer", mas não chegava. Fez um "part-time" no Ikea. Desistiu para aceitar um trabalho na área dela, em Guimarães, mas puseram-na a fazer secretariado. Voltou a desistir.
Salário no "shopping não era mau"
"Voltei a casa, para os currículos", lembra. E foi aí que surgiram os shoppings: "Vi um anúncio para um trabalho na Parfois e pensei: 'Por que não?'" No Gaia Shopping, deram-lhe um contrato de três meses, “tipo estágio”, depois renovaram por mais sete. O ordenado "não era mau" - cerca de 700 euros.
O perfil de Francisca – jovem e licenciada – não é raro nos centros comerciais portugueses. A socióloga Sofia Alexandra Cruz percebeu-o quando investiu no assunto na sua tese de doutoramento, apesar de não conseguir transmiti-lo em números ("Não é possível perceber qual é o universo quantitativo dos trabalhadores dos centros comerciais portugueses").
O estudo que fez "não é representativo da realidade global" – estudou oito centros da Área Metropolitana do Porto, com uma amostra de 60 trabalhadores –, mas dá pistas interessantes sobre o assunto.
Quem trabalha num centro comercial está, regra geral, satisfeito: 75% das pessoas não estão à procura de novo emprego e 50% pretendem ficar na loja quando perspectivam o futuro profissional, sendo a "segurança contratual" a justificação apresentada. Mas Sofia Alexandra Cruz não imagina quais os valores correspondentes à realidade do trabalho de licenciados nos shoppings.
Rotatividade é bem vista por empregadores
O que sabe é que ser licenciado não é um entrave para contratações. O facto de as pessoas não quererem fazer carreira – a maioria dos licenciados encara o trabalho nos shoppings como temporário, ainda que muitas vezes se torne definitivo – "não é visto como negativo". Sofia Cruz justifica: "Como muitas vezes o trabalho é monótono, até é positivo que haja rotatividade".
Francisca já não trabalha no shopping. Deixou o emprego por outra loja, que entretanto fechou. Está desempregada, voltou à saga dos currículos e à realidade da ausência de respostas. Espera não ter de voltar ao shopping – "Não gostava muito de nada: nem dos horários nem do ambiente nem do trabalho" –, mas admite que não é um cenário impossível.