Mudar de vida após a violência no namoro
Reencontrei-a por acaso. Tinham decorrido sete anos. A antiga operária da indústria têxtil era agora empregada doméstica
Tinha 26 anos. Estava numa casa abrigo gerida pela organização de mulheres Soroptimist. Tinha fugido de casa, com um bebé de nove meses ao colo. Nem trouxera documentos. Viera com a roupa do corpo. Estava grávida, deprimida, enroscada num cadeirão amarelo.
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Tinha 26 anos. Estava numa casa abrigo gerida pela organização de mulheres Soroptimist. Tinha fugido de casa, com um bebé de nove meses ao colo. Nem trouxera documentos. Viera com a roupa do corpo. Estava grávida, deprimida, enroscada num cadeirão amarelo.
Reencontrei-a por acaso, em casa de um amigo. Tinham decorrido sete anos. A antiga operária da indústria têxtil virara empregada doméstica. Deixara o cabelo crescer. Já não era a mesma pessoa, embora ainda fosse. Já não se encolhia. Já não tinha o olhar perdido, triste.
Quando tomámos um café entre duas casas que lhe cabia limpar, falou numa vida de muito trabalho, de grande contenção orçamental, mas de paz, de alegria. As crianças têm excelentes notas. E ela já sabe, com aquele saber de experiência feito, que amor não é sinónimo de violência, que o amor é o amor e a violência é a violência. "Encontrei o meu príncipe."
O tempo que estivera na casa-abrigo e na casa de transição servira-lhe para se recompor, se relançar. Fizera um curso que lhe dera equivalência ao 9.º ano. E nesse curso conhecera o "príncipe". Ele também se estava a recompor, a relançar. Toxicodependente, submetera-se a uma desintoxicação e fora lá colocado por um programa da Câmara do Porto.
A cada hora que passa, quatro pessoas vão a uma esquadra da PSP ou a um posto da GNR queixar-se do comportamento violento de alguém com quem mantêm ou mantiveram uma relação de afecto. São quase sempre mulheres. Algumas muito jovens. Apontam o dedo a namorados, companheiros, maridos ou ex-namorados, ex-companheiros, ex-maridos.
Ora, ali estava alguém que rompera com o ciclo de violência. "Nunca na minha vida aceitaria mais um estalo. Não, menina. Fosse de quem fosse. Ai, Senhor. Que nenhum homem me levante a mão! Fica sem mão.” E os filhos dela? Como garantir que os filhos dela serão incapazes de levantar a mão a alguma mulher? “Costuma dizer-se que isto é hereditário. Sofreu a minha avó, sofreu a minha mãe, sofri eu – a minha irmã não. Não aceito. Isto vai ser incutido nos meus filhos: há muitas formas de resolver as coisas sem ser com violência.”