O filme é o vírus
Dizia em tempos Laurie Anderson que “a linguagem é um vírus” - com “Contágio”, Steven Soderbergh permite-se discordar, porque o seu filme é a imagem exacta de um vírus: uma coisa fria, clínica, metódica, que não descansa enquanto não atinge o seu objectivo. É normal que assim seja, “Contágio” é um filme sobre um vírus fulminante que aparece do nada e se torna numa pandemia global enquanto o diabo esfrega um olho, os médicos coçam a cabeça, o pânico toma conta da população e a sociedade começa a desintegrar-se. É o tema perfeito para um filme catástrofe à moda antiga ou um grande filme de terror apocalíptico - mas Soderbergh, que aqui regressa às grandes produções depois de alguns filmes mais experimentais (o díptico “Che” ou “Confissões de uma Namorada de Serviço”) é conhecido por fazer tudo menos o que se espera e o seu apocalipse é de uma serenidade atordoante e metódica que desorienta o espectador ao recusar todas as suas âncoras habituais, até no modo como utiliza o seu elenco de vedetas. Não é descabido olhar para “Contágio” como a versão médica de “Traffic” - histórias cruzadas à volta de um fio central onde todas se tocam sem o saber forçosamente - mas acelerada, comprimida abaixo das duas horas. Também faz sentido: nestes dias de “tudo ao mesmo tempo agora” em que vivemos, uma pandemia torna-se global num abrir e fechar de olhos e o que Soderbergh faz é sublinhar a interconexão do nosso mundo de modo implacavelmente determinado. Mas, contraditoriamente, o que aqui acontece está longe de ser o grande filme assustador que poderia ser - o realizador americano transforma-o em algo de desapaixonado, cerebral e distante, exactamente como um vírus disposto a tudo para sobreviver. Os seus actores, a sua narrativa, a sua emoção, fica tudo pelo caminho deste projéctil admiravelmente formalista mas que, como convém aos vírus, se admira à distância sem nunca nos queremos engajar com ele. “Contágio” é um belo filme, inteligente e importante, mas desligado da pulsão emocional que lhe daria o embalo necessário para se tornar num clássico.
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Dizia em tempos Laurie Anderson que “a linguagem é um vírus” - com “Contágio”, Steven Soderbergh permite-se discordar, porque o seu filme é a imagem exacta de um vírus: uma coisa fria, clínica, metódica, que não descansa enquanto não atinge o seu objectivo. É normal que assim seja, “Contágio” é um filme sobre um vírus fulminante que aparece do nada e se torna numa pandemia global enquanto o diabo esfrega um olho, os médicos coçam a cabeça, o pânico toma conta da população e a sociedade começa a desintegrar-se. É o tema perfeito para um filme catástrofe à moda antiga ou um grande filme de terror apocalíptico - mas Soderbergh, que aqui regressa às grandes produções depois de alguns filmes mais experimentais (o díptico “Che” ou “Confissões de uma Namorada de Serviço”) é conhecido por fazer tudo menos o que se espera e o seu apocalipse é de uma serenidade atordoante e metódica que desorienta o espectador ao recusar todas as suas âncoras habituais, até no modo como utiliza o seu elenco de vedetas. Não é descabido olhar para “Contágio” como a versão médica de “Traffic” - histórias cruzadas à volta de um fio central onde todas se tocam sem o saber forçosamente - mas acelerada, comprimida abaixo das duas horas. Também faz sentido: nestes dias de “tudo ao mesmo tempo agora” em que vivemos, uma pandemia torna-se global num abrir e fechar de olhos e o que Soderbergh faz é sublinhar a interconexão do nosso mundo de modo implacavelmente determinado. Mas, contraditoriamente, o que aqui acontece está longe de ser o grande filme assustador que poderia ser - o realizador americano transforma-o em algo de desapaixonado, cerebral e distante, exactamente como um vírus disposto a tudo para sobreviver. Os seus actores, a sua narrativa, a sua emoção, fica tudo pelo caminho deste projéctil admiravelmente formalista mas que, como convém aos vírus, se admira à distância sem nunca nos queremos engajar com ele. “Contágio” é um belo filme, inteligente e importante, mas desligado da pulsão emocional que lhe daria o embalo necessário para se tornar num clássico.