Sim, vamos esquecer-nos de ti

Quando alguém inspirador como Steve Jobs morre, vamos velar corpos para o Twitter e juramos que agora sim, vamos começar a aproveitar a vida

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Reuters

Hoje queria escrever um texto ainda mais estúpido do que o da semana passada, mas o Steve Jobs estragou-me os planos por umas horas. Não que ele tenha feito de propósito, mas a verdade é que a morte de qualquer figura pública, especialmente se for de cancro, estraga-nos sempre um bocadinho os planos. Passamos mais tempo agarrados às notícias e às conversas do costume com amigos, colegas e conhecidos: "Já viste? Isto dá que pensar a um gajo...", ou "já viste? Isto dá que pensar a uma gaja...", entre outras frases de ambos os géneros. Todos sentimos uma necessidade urgente de mudar de vida, numa confissão implícita de que a que temos não interessa nem ao Menino Jesus. E uma coisa que não interesse a uma criança que nasceu em palhas e que recebe mirra em vez de um ursinho de peluche deve ser particularmente chata. Todos queremos mudar de emprego mais uma vez, todos queremos falar "contigo" uma vez mais, todos queremos dizer-te "amo-te" todas as vezes, todos queremos dizer-te "já não te amo" de uma vez por todas.

A verdade faz-nos mais fortes

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Hoje queria escrever um texto ainda mais estúpido do que o da semana passada, mas o Steve Jobs estragou-me os planos por umas horas. Não que ele tenha feito de propósito, mas a verdade é que a morte de qualquer figura pública, especialmente se for de cancro, estraga-nos sempre um bocadinho os planos. Passamos mais tempo agarrados às notícias e às conversas do costume com amigos, colegas e conhecidos: "Já viste? Isto dá que pensar a um gajo...", ou "já viste? Isto dá que pensar a uma gaja...", entre outras frases de ambos os géneros. Todos sentimos uma necessidade urgente de mudar de vida, numa confissão implícita de que a que temos não interessa nem ao Menino Jesus. E uma coisa que não interesse a uma criança que nasceu em palhas e que recebe mirra em vez de um ursinho de peluche deve ser particularmente chata. Todos queremos mudar de emprego mais uma vez, todos queremos falar "contigo" uma vez mais, todos queremos dizer-te "amo-te" todas as vezes, todos queremos dizer-te "já não te amo" de uma vez por todas.

Mas a verdade é que ninguém toma grandes decisões nestes momentos. O máximo que conseguimos fazer é deixar posts no Facebook com citações importantes e dois-pontos-abrir-parêntesis. Somos as velhas carpideiras das redes sociais. Vamos velar corpos para o Twitter e juramos que agora sim, vamos começar a aproveitar a vida. E é então que acontece o verdadeiro milagre: amanhã, depois de o buraco da Madeira voltar a dominar as primeiras páginas, lá estaremos todos, como sempre, a chatear o amigo sportinguista, a passar duas horas a ver vídeos de gatinhos fofinhos no YouTube e a queixar-nos da falta de dinheiro para comprar o novo iPhone. Quase nenhum de nós "stay hungry" e muito poucos "stay foolish". A esmagadora maioria "just stay" e continuará a vida a ser um "good dog". O mais fascinante na memória é a rapidez com que ela se esquece das coisas. Um dia destes, quando alguém tentar escrever um texto mais estúpido do que o desta semana, será a vez de outra pessoa lhe estragar os planos por umas horas. Mas prometo que não será de propósito.