O senhor da pandeireta
Quando se imagina o cinema brasileiro a partir do que chega às salas comerciais portuguesas, quase sempre à boleia ou do folclore “tropical” ou do folclore da favela, não é neste tipo de filme que se pensa: introspectivo, razoavelmente cerebral, esparso, quase insituado, sem festa nem polémica. “Os Famosos e os Duendes da Morte” é uma primeira obra, e que a sua estreia em Portugal sirva, ao menos, para avisar os mais distraídos do que o cinema brasileiro não se reduz (como nunca se reduziu) a telenovelas e tropas de elite.
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Quando se imagina o cinema brasileiro a partir do que chega às salas comerciais portuguesas, quase sempre à boleia ou do folclore “tropical” ou do folclore da favela, não é neste tipo de filme que se pensa: introspectivo, razoavelmente cerebral, esparso, quase insituado, sem festa nem polémica. “Os Famosos e os Duendes da Morte” é uma primeira obra, e que a sua estreia em Portugal sirva, ao menos, para avisar os mais distraídos do que o cinema brasileiro não se reduz (como nunca se reduziu) a telenovelas e tropas de elite.
A grande assombração do filme, de resto, é “exógena”. Bob Dylan, nem mais, ídolo do protagonista, um adolescente ensimesmado que vive o seu “dylanianismo” em todos os pequenos gestos quotidianos, sendo que boa parte do seu quotidiano é gasto na Internet e nas “redes sociais”, onde o seu “nickname” é Mr. Tamborine Man (e de certa maneira, a partir da mesma expressão de um vago anseio por cortar raízes, por sair à aventura, a história do filme pode ser vista como uma variação sobre o poema da canção de Dylan que também se chama assim). O miúdo sonha muito, através da Internet (que o filme olha, sem demasiada ambiguidade, como privilégio “moderno”, capaz de oferecer uma ligação espiritual ao mundo àqueles que estão geograficamente isolados dele) e muito para além dela, sonhos práticos (ir a um concerto de Dylan, claro) e sonhos mais enigmáticos, povoados por personagens indefinidas.
Sem nenhuma alegoria especialmente sublinhada, o onirismo de “Os Famosos...” é a chave do filme, espécie de segunda pele que depressa se confunde com a primeira pele (ou seja, a divagação da alma como contraponto para a banalidade do quotidiano - sempre o “Tambourine Man”), e mais do que isso, possível “representação” do processo de entrada na idade adulta (também se pode ver isto como uma história de “coming of age) vivido pelo protagonista. Esmir Filho trata o onirismo a partir de referências modernas, Lynch (sem monstros), “Donnie Darko” (sem a “filosofia das viagens no tempo”), com elegância estilística (os planos longos) e gosto pelo silêncio e pelo inexplicado. Não faz a terra tremer, mas é obra cuidada e, no contexto da recepção ao cinema brasileiro contemporâneo em Portugal, obra inesperada.