Valter Hugo Mãe em maiúsculas numa noite de coincidências

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O escritor já têm o próximo romance na cabeça Daniel Rocha (arquivo)

Hugo Mãe entrou sábado à noite na livraria Ler Devagar, em Lisboa, com 39 anos. Saiu com 40. Pelo meio, os amigos dos livros, da música e do Brasil elogiaram-lhe por antecipação “O filho de mil homens”, o seu quinto romance, o primeiro em que deixa de assinar como valter hugo mãe e aquele em que procura “outras formas de dizer”, como resumirá após uma hora de apresentação ao lado de um par improvável, Mário Soares, e outra ininterrupta de autógrafos.

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Hugo Mãe entrou sábado à noite na livraria Ler Devagar, em Lisboa, com 39 anos. Saiu com 40. Pelo meio, os amigos dos livros, da música e do Brasil elogiaram-lhe por antecipação “O filho de mil homens”, o seu quinto romance, o primeiro em que deixa de assinar como valter hugo mãe e aquele em que procura “outras formas de dizer”, como resumirá após uma hora de apresentação ao lado de um par improvável, Mário Soares, e outra ininterrupta de autógrafos.

Há dois meses, o escritor estava nas primeiras páginas dos jornais brasileiros pela comoção inesperada com que foi recebido na FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty. Ontem, não houve quem chorasse ao ouvir Hugo Mãe, mas uma “coincidência maravilhosa” permitiu que o Brasil voltasse a encontrar-se com o autor português.

Zuenir Ventura, jornalista e escritor brasileiro, e Luís Fernando Veríssimo, escritor e cronista, estavam por estes dias de visita aos Açores. Em Lisboa, onde assistiram à apresentação do novo romance do escritor, reencontraram o autor que provocou “um choque cultural muito grande e um dos maiores acontecimentos” da FLIP, como recorda Ventura.

Os dois vieram para ouvir Valter Hugo Mãe falar de Crisóstomo, um homem “quase irreal” que descobre aos 40 anos que quer ter um filho e por quem o autor lutou até ao fim da narrativa para que se tornasse feliz. “A sua biografia não coincide com a minha. O Crisóstomo não sou eu, é o que eu gostaria de ser”, explicou sobre a personagem principal de “O filho de mil homens”.

Este é o romance em que Valter Hugo Lemos – o homem – deixou de ser valter hugo mãe para passar a ser Valter Hugo Mãe, o homem, o músico, o artista, o escritor. Depois de “a máquina de fazer espanhóis”, que lançou no ano passado, nesta obra pôde terminar um ciclo e “repensar aquilo que é possível repensar e procurar outras formas de dizer”, como explicou em conversa com o PÚBLICO após a sessão de lançamento. Deixar de assinar e escrever apenas com minúsculas – uma das suas imagens literárias – é também uma forma de não ficar preso a “uma receita qualquer”.

Para Inês Pedrosa, presente na apresentação do romance, Valter Hugo Mãe tem “uma voz muito marcada e distintiva”, uma característica própria dos romancistas que “ao primeiro romance – no máximo ao segundo – se percebe que tem uma voz literária”. “Pega-se numa página solta dele e sabe-se que é dele”, sustenta a escritora, que na sexta-feira venceu com “Os Íntimos” o Prémio Máxima de Literatura, onde Hugo Mãe era um dos jurados.

O que se passou em Paraty em Julho, com o escritor a emocionar um festival literário, a ser comparado a uma estrela pop, a dar autógrafos e a tirar fotografias durante horas, Hugo Mãe ainda não consegue explicar. “O Brasil sempre foi um território de ansiedade para mim e, enquanto autor, só me deixa grato e feliz”.

Um fenómeno de popularidade que, para Maria do Rosário Pedreira, editora dos três primeiros romances do escritor-poeta-cantor, tem a ver com o facto de ser “extraordinariamente dotado”. Escritor, compositor, vocalista dos Governo, “ele é aquilo que definiria como o artista; sabe cantar e é um tipo que pinta”.

Soares e o “amigo Mãe”

Hugo Mãe tem na sala amigos e colegas. Mário Soares, que a editora convidou para apresentar o novo romance do escritor, elogia-lhe o percurso e fala de uma obra onde, “para um cidadão citadino”, como se diz o antigo Presidente da República, “é um pouco difícil perceber” o que se passa no início da obra. “Dá a ideia que vamos chegar a uma tragédia, mas termina tudo muito em bem.”

Soares era, à partida, uma escolha improvável para apresentar um livro de Valter Hugo Mãe, considerando-se ele próprio “um cidadão que está noutras coisas e que não tem nenhuma especial cultura literária [enquanto romancista] nos últimos 30 anos”. Responde Valter Hugo Mãe: “Quem conhece aquilo que eu escrevo [sabe] o meu apreço pelo processo democrático e pela expressão livre”.

Soares conheceu o “amigo Mãe”, como diz, quando o escritor estava na Quasi, a editora que Hugo Mãe fundou e que editou “Mário Soares – Memória Viva”. E, depois, o actual editor de Hugo Mãe, Alexandre Vasconcelos e Sá, o mesmo dos dois últimos livros de que Soares é autor e co-autor, fez aquilo que o escritor não teve coragem de fazer: convidar um antigo Presidente da República. Um senador, nas palavras de Hugo Mãe, “já muito apartidário que traz uma benesse a todas as crenças”.

Para além da presença de Soares, Hugo Mãe viveu uma noite de coincidências. Uma, programada: 40 anos feitos na noite em que lançou o romance no qual essa é a idade da personagem principal. Outra, uma casualidade feliz: na livraria, a ouvi-lo está a mulher que inspirou a personagem feminina de “O filho de mil homens” Isaura; e também ela faz anos a 25 de Setembro.

Hugo Mãe deve a Isaura Santos, 58 anos, o nome daquela personagem, quando numa sessão do Clube de Leitores de Entrecampos, em Lisboa, é o convidado para falar sobre “a máquina de fazer espanhóis”. Isaura Santos estava lá. “No diálogo de leitores, as pessoas têm de se apresentar; e eu disse que não gostava muito do meu nome”, explica ela ao PÚBLICO. Continua Valter Hugo Mãe: “Queixou-se de o seu nome ser feio e, como eu acho o nome bonito, jurei-lhe imediatamente que o ia incluir num romance”. Sabe que apenas empresta o nome à personagem de uma obra onde o escritor, diz ele, experimenta a “intimidade do texto” em “mensagens com gente dentro”.

Hugo Mãe terminou o romance às três da tarde de 17 de Fevereiro deste ano. Sabe data e hora com precisão. Já passou o “período de muita angústia” do pós-fim de escrita de um livro. A pacificação tem um nome, Halla. O romance ainda não.