Os telemóveis não precisam de fraldas

Para poupar a humanidade a um futuro apocalíptico, a obsessão por mimar "gadgets" como se fossem crianças tem de ser tratada

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Shibuya246/Flickr

Já todos sabemos como acaba a história. Estamos em 2029 e o que resta da raça humana trava uma luta desesperada contra o domínio das máquinas. Um "cyborg" assassino e um soldado da resistência regressam ao passado para tentarem rescrever o futuro a tiros de caçadeira.

A verdade faz-nos mais fortes

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Já todos sabemos como acaba a história. Estamos em 2029 e o que resta da raça humana trava uma luta desesperada contra o domínio das máquinas. Um "cyborg" assassino e um soldado da resistência regressam ao passado para tentarem rescrever o futuro a tiros de caçadeira.

Pelo meio, uma guerra nuclear reduz a vida dos seres humanos a uma luta pela sobrevivência e contra a escravatura imposta pela inteligência artificial. Uma tragédia. E também um filme. Divertido, é certo, mas com algumas actuações que não deixam de ser uma tragédia.

E tudo - sabemos hoje - por causa destas capinhas de silicone com que insistimos em mimar os telemóveis. Destas bolsinhas de veludo com bonequinhos dependurados que compramos para que os riscos nos ecrãs nunca saiam dos nossos piores pesadelos. A verdade é esta: se não quisermos ser dominados pelas máquinas em 2029, não podemos tratar os nossos “gadgets” como se fossem crianças.

É um comportamento semelhante ao dos nossos pais e avós em relação aos riscos nos automóveis. Um português aceita a vinda "troika", compreende a subida dos preços e até tolera um corte no subsídio de Natal, mas há limites para tudo: quem se atrever a riscar-lhe o automóvel arrisca-se a levar um tiro nos cornos.

Procuram-se iPadopsiquiatras

A verdade é que esta aversão aos riscos nos automóveis atravessou gerações e chegou aos telemóveis e aos "tablets". Para o bem da humanidade, a obsessão por mimar as coisas como se fossem nossos filhos tem de ser tratada. Precisamos de uma espécie de iPadopsiquiatra para nos ajudar a perceber as diferenças entre um "tablet" e um bebé com a fralda suja.

Acreditem: para quem não tem coragem de usar uma "t-shirt" do Justin Bieber num concerto dos Slayer ou de dizer ao chefe onde é que ele pode pôr o "irresponsável preguiçoso", não há sensação mais libertadora do que atirar um telemóvel sem capa de protecção para dentro de um bolso cheio de moedas. Eu costumo juntar uns quantos clipes abertos e as chaves do carro, mas nem toda a gente se esquece de levar o coração quando se está a preparar para sair de casa.

Já ouço alguém lá atrás: "Olha-me este, deve estar cheio dele para tratar o telemóvel aos pontapés." A minha declaração de IRS ou uma simples passagem pelo meu guarda-roupa provam que não estou cheio dele, mas é verdade que sinto um prazer especial em massacrar esta coisa em que vos escrevo. Tudo porque cada novo risco parece provocar uma gargalhada na minha sobrinha de três anos. A capinha de silicone que comprei está a fazer de expositor para lápis de cor e só tenho pena de a ideia não ter sido minha.

É nesses momentos que me lembro da importância que as coisas têm e do lugar que elas ocupam na minha vida: um bolso cheio de moedas, clipes abertos e chaves do carro. Em 2029 poderei estar a lutar contra o domínio das máquinas, mas até lá nenhuma coisa com circuitos e teclas vai fazer de mim um escravo.