A arte da pirueta

“As carreiras profissionais são actualmente feitas de percursos ziguezagueantes, variáveis e indetermináveis”

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Machado Pais é investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa David Clifford/Arquivo

A quantidade de rótulos pespegados aos jovens, alguns de sentido contrário, sinaliza-nos uma geração – rasca ou enrascada? – marcada por acentuados contrastes que, todavia, se singulariza pela incerteza e insegurança em relação ao futuro.

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A quantidade de rótulos pespegados aos jovens, alguns de sentido contrário, sinaliza-nos uma geração – rasca ou enrascada? – marcada por acentuados contrastes que, todavia, se singulariza pela incerteza e insegurança em relação ao futuro.

Quando há capacidade para imaginar o futuro jogam-se nele ilusões, não sendo por acaso que a raiz etimológica de ilusão se encontra em "ludere" (do latim) que vem de "ludus" (jogo).

Em contrapartida, quando os sonhos de futuro se esquivam à vontade de os concretizar surge a desilusão e a frustração. Recentemente, tenho acompanhado a actividade de jovens produtores de histórias aos quadradinhos.

Capacidade de conectar ideias

O que tenho constatado é que a sua criatividade se baseia numa capacidade – feita de astúcias e sagacidades – para interconectar ocorrências, circunstâncias, ideias, oportunidades.

Da mesma forma que a banda desenhada é uma arte sequencial, também as trajectórias dos jovens exploram sequências que atingem, por obliquidade, inesperadas consequências.

O agir da obliquidade, que é próprio da criatividade e do saber interpretativo dos mundos ficcionais das histórias aos quadradinhos, e que Fernando Pessoa já contemplara na sua poesia interseccionista – em "Chuva Oblíqua" (Orpheu), "Paisagens Oblíquas" (Livro do Desassossego) ou "Oblíqua Madrugada" (Ode Marítima) –, parece ser uma estratégia que está a ser explorada por jovens que, empreendedoramente, procuram profissionalizar a sua criatividade.

Se assim for, poderemos estar perante uma nova corrente sociocultural onde se destacam valores de autonomia, improvisação, criatividade, "expertise", expressividade e ludicidade. Tenha-se em conta que, para os pais de muitos dos jovens de hoje, possuir uma carreira profissional significava deter uma identidade estável e reconhecida.

O desafio de hoje

Em contrapartida, as carreiras profissionais são actualmente feitas de percursos ziguezagueantes, variáveis e indetermináveis.

Os jovens de hoje confrontam-se com o desafio de se adaptarem a circunstâncias de vida mutáveis – o que pressupõe uma capacidade de ajuste, um domínio da arte da pirueta, um saber caçar oportunidades, uma mão cheia de perícias para ultrapassar a contradição entre a calculabilidade e a qualidade do fortuito.

Para Mannheim, as gerações inscrevem-se numa dinâmica histórica que favorece a aparição de grupos de jovens que se diferenciam radicalmente dos seus antepassados.

Os jovens constituem uma geração de mudança quando ela própria é produto e motor de mudança. Estaremos num ponto de viragem para novos rumos societais?