O bairro 6 de Maio tem outro lado para além do que costuma ser notícia
Eles nasceram num lugar a que os outros costumam chamar "problemático", filhos de cabo-verdianos e guineenses - este bairro foi sendo construído, ao longo dos anos, pela comunidade cabo-verdiana. A maioria não tinha experiência com câmaras. Mas Jared orientou-os, explicou-lhes como se faz um filme. Ensinou-lhes a trabalhar com câmaras, tripés, microfones, a editar, a fazer entrevistas. Eles escolheram a história, o caminho a seguir. Este é um documentário deles - "eles é que decidiram tudo, eu só os orientei", garante.
Durante duas semanas, entrevistaram gente do bairro, entrevistaram-se uns aos outros. Filmaram seis horas e, em duas semanas, transpuseram-nas para um documentário de 30 minutos. No projecto participaram outros dois jovens, da Alemanha e da Letónia, voluntários da Associação Máquina do Mundo, uma organização não-governamental instalada à entrada do bairro, que, em conjunto com a embaixada dos Estados Unidos da América, organizou o Damaia Film Making Project.
Jared Katsiane diz ter ficado tão satisfeito com o resultado deste projecto que vai procurar financiamento para, no próximo ano, levar o grupo a Boston, onde ensina jovens de um bairro desfavorecido e de diversas nacionalidades - muitos deles cabo-verdianos e portugueses até.
A realidade da tela
"O que gostavas de mudar no bairro?". É uma das perguntas que fazem aos entrevistados.
Tudo, responde Inês Almeida, de 19 anos, na tela (esteve dos dois lados da câmara). Gostava de recomeçar, do zero. O 6 de Maio sempre lhe pareceu normal - é lá que vive, foi lá que nasceu. Até lhe terem perguntado se queria que o bairro fosse abaixo.
"Não tinha olho para ver o que os outros vêem", reconhece após a exibição do filme. Então o bairro passou de "uma coisa normal" para "uma coisa para mudar". E esta é a altura para mudar, acredita. "Se continuamos assim, ficamos com as mãos e os pés atados."
Este é um filme sobre o bairro, também sobre eles. Sobre o que querem que mude e o que querem que os outros vejam para além das histórias que são notícia: "Três feridos e 15 detidos em madrugada de tumulto com a polícia no Bairro 6 de Maio", "Homem mata amigo com facada", "Polícia recebida à pedrada no Bairro 6 de Maio." Todos estes títulos são recentes.
Mas "o bairro é como outro sítio qualquer. Os problemas das drogas, dos assaltos não existem só no bairro", acredita Valter Lopes. "Nós tentamos mostrar o contrário, começar a apagar esta imagem."
O Bairro 6 de Maio é muito mais do que isso. Valter conduz o PÚBLICO pelo seu interior, numa viagem pela realidade da tela. Depois da exibição do filme, depois do lanche e das despedidas. Já caiu a noite.
De portas abertas
Este bairro parece saído do Rio de Janeiro, já comentaram jornalistas de visita ao bairro a propósito de uma rusga, um desacato. Mas este bairro parece Cabo Verde. "É o espírito de comunidade de Cabo Verde, que também há no interior de Portugal."
Começa a ver-se muita gente, portas abertas para a rua. Do lado esquerdo da rua, é o 6 de Maio, fundado a 6 de Maio de 1974. Do direito fica o Estrela de África.
Para o documentário filmaram nos dois. É que estas casinhas de telhados de chapa separadas por ruas sem nome, estreitas, labirínticas, tão escuras que não se enxerga para lá de um palmo, parecem um bairro só, atravessado pela Rua Francisco Simões Carneiro. "O que separa os dois é uma estrada", repete Valter, que vai cumprimentando cada vez mais gente.
O 6 de Maio é bairro com problemas - muitos - mas o que se encontra nesta noite de sexta-feira é gente que sorri quando se passa, que pede uma foto, crianças que jogam à bola nos espaços transformados em largos pelas demolições. Será num destes - ou naquele em que os homens jogavam às cartas no filme - a próxima exibição de Realidade na Tela. Eles gostavam de poder mostrá-lo ao bairro, dentro do bairro.
Seguindo da Strada Riba (metade de cima do bairro) para a Strada Baxo (a de baixo) por ruas que vão ficando mais estreitas e mais escuras, chega-se à cobertura de uma casa térrea. Vê-se todo o bairro daqui - que não é tão grande como possam julgar.Algumas das entrevistas do documentário fizeram-se neste lugar. Como a do rapper. Quem era? "O Baby Dog, o Sassa, o Big Thug", responde o anfitrião. "Nas músicas, falam das suas experiências de vida, no bairro e fora dele - muitos já estiveram presos. Tentam incentivar os outros a fazer melhor do que eles, a fazer aquilo que eles não conseguiram."
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Eles nasceram num lugar a que os outros costumam chamar "problemático", filhos de cabo-verdianos e guineenses - este bairro foi sendo construído, ao longo dos anos, pela comunidade cabo-verdiana. A maioria não tinha experiência com câmaras. Mas Jared orientou-os, explicou-lhes como se faz um filme. Ensinou-lhes a trabalhar com câmaras, tripés, microfones, a editar, a fazer entrevistas. Eles escolheram a história, o caminho a seguir. Este é um documentário deles - "eles é que decidiram tudo, eu só os orientei", garante.
Durante duas semanas, entrevistaram gente do bairro, entrevistaram-se uns aos outros. Filmaram seis horas e, em duas semanas, transpuseram-nas para um documentário de 30 minutos. No projecto participaram outros dois jovens, da Alemanha e da Letónia, voluntários da Associação Máquina do Mundo, uma organização não-governamental instalada à entrada do bairro, que, em conjunto com a embaixada dos Estados Unidos da América, organizou o Damaia Film Making Project.
Jared Katsiane diz ter ficado tão satisfeito com o resultado deste projecto que vai procurar financiamento para, no próximo ano, levar o grupo a Boston, onde ensina jovens de um bairro desfavorecido e de diversas nacionalidades - muitos deles cabo-verdianos e portugueses até.
A realidade da tela
"O que gostavas de mudar no bairro?". É uma das perguntas que fazem aos entrevistados.
Tudo, responde Inês Almeida, de 19 anos, na tela (esteve dos dois lados da câmara). Gostava de recomeçar, do zero. O 6 de Maio sempre lhe pareceu normal - é lá que vive, foi lá que nasceu. Até lhe terem perguntado se queria que o bairro fosse abaixo.
"Não tinha olho para ver o que os outros vêem", reconhece após a exibição do filme. Então o bairro passou de "uma coisa normal" para "uma coisa para mudar". E esta é a altura para mudar, acredita. "Se continuamos assim, ficamos com as mãos e os pés atados."
Este é um filme sobre o bairro, também sobre eles. Sobre o que querem que mude e o que querem que os outros vejam para além das histórias que são notícia: "Três feridos e 15 detidos em madrugada de tumulto com a polícia no Bairro 6 de Maio", "Homem mata amigo com facada", "Polícia recebida à pedrada no Bairro 6 de Maio." Todos estes títulos são recentes.
Mas "o bairro é como outro sítio qualquer. Os problemas das drogas, dos assaltos não existem só no bairro", acredita Valter Lopes. "Nós tentamos mostrar o contrário, começar a apagar esta imagem."
O Bairro 6 de Maio é muito mais do que isso. Valter conduz o PÚBLICO pelo seu interior, numa viagem pela realidade da tela. Depois da exibição do filme, depois do lanche e das despedidas. Já caiu a noite.
De portas abertas
Este bairro parece saído do Rio de Janeiro, já comentaram jornalistas de visita ao bairro a propósito de uma rusga, um desacato. Mas este bairro parece Cabo Verde. "É o espírito de comunidade de Cabo Verde, que também há no interior de Portugal."
Começa a ver-se muita gente, portas abertas para a rua. Do lado esquerdo da rua, é o 6 de Maio, fundado a 6 de Maio de 1974. Do direito fica o Estrela de África.
Para o documentário filmaram nos dois. É que estas casinhas de telhados de chapa separadas por ruas sem nome, estreitas, labirínticas, tão escuras que não se enxerga para lá de um palmo, parecem um bairro só, atravessado pela Rua Francisco Simões Carneiro. "O que separa os dois é uma estrada", repete Valter, que vai cumprimentando cada vez mais gente.
O 6 de Maio é bairro com problemas - muitos - mas o que se encontra nesta noite de sexta-feira é gente que sorri quando se passa, que pede uma foto, crianças que jogam à bola nos espaços transformados em largos pelas demolições. Será num destes - ou naquele em que os homens jogavam às cartas no filme - a próxima exibição de Realidade na Tela. Eles gostavam de poder mostrá-lo ao bairro, dentro do bairro.
Seguindo da Strada Riba (metade de cima do bairro) para a Strada Baxo (a de baixo) por ruas que vão ficando mais estreitas e mais escuras, chega-se à cobertura de uma casa térrea. Vê-se todo o bairro daqui - que não é tão grande como possam julgar.Algumas das entrevistas do documentário fizeram-se neste lugar. Como a do rapper. Quem era? "O Baby Dog, o Sassa, o Big Thug", responde o anfitrião. "Nas músicas, falam das suas experiências de vida, no bairro e fora dele - muitos já estiveram presos. Tentam incentivar os outros a fazer melhor do que eles, a fazer aquilo que eles não conseguiram."