Patriarca chamado ao Vaticano para se explicar sobre ordenação de mulheres

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Patriarca com o Papa, em Maio do ano passado, em Lisboa Foto: Daniel Rocha

Numa entrevista à revista da Ordem dos Advogados, publicada em meados de Junho, o patriarca afirmava, sobre a ordenação de mulheres: "Penso que não há nenhum obstáculo fundamental. É uma igualdade fundamental de todos os membros da Igreja."

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Numa entrevista à revista da Ordem dos Advogados, publicada em meados de Junho, o patriarca afirmava, sobre a ordenação de mulheres: "Penso que não há nenhum obstáculo fundamental. É uma igualdade fundamental de todos os membros da Igreja."

Por causa desta afirmação, transcrita e comentada em Roma, por dois "vaticanistas", o cardeal Bertone falou com D. José Policarpo. Segundo o PÚBLICO soube - o facto tem sido tema de conversa entre o clero de Lisboa desde então -, o patriarca foi bem tratado, pois o Vaticano temia que D. José pudesse reagir mal a uma advertência severa. "Foi tratado nas palminhas", nota um padre de Lisboa, falando do tom da audiência.

Dias antes desse encontro, o patriarca recebera uma carta do cardeal William Levada, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (cargo anteriormente ocupado pelo actual Papa Bento XVI), órgão que zela pela Teologia oficial. A carta foi-lhe entregue em mão pelo núncio apostólico (embaixador da Santa Sé) em Lisboa, a 2 de Julho, dia em que o patriarca presidiu a uma missa de ordenações no Mosteiro dos Jerónimos. Outro padre afirma que o cardeal manifestou um ar grave após ter lido a carta.

Doutrina é "infalível"

Logo a seguir, no dia 6, o patriarca publicou um esclarecimento no site do patriarcado de Lisboa na Internet. No texto, afirmava que, na entrevista, não tivera "na devida conta as últimas declarações" dos papas sobre o tema, dando assim azo a "reacções várias e mesmo indignação".

O facto tem provocado controvérsia entre muitos padres e outros católicos que entretanto vão sabendo do que se passou - e que questionam tanto a afirmação centralista do Vaticano como o modo como D. José recuou da sua posição inicial. Já não é, de facto, a primeira vez que o patriarca diz o que pensa sobre o assunto. Só que, desta vez, as declarações foram citadas por dois jornalistas do Vaticano, o que aumentou o seu efeito.

A 4 de Julho, o PÚBLICO deu notícia desses comentários. John Allen Jr., correspondente do National Catholic Reporter em Roma, notou que as declarações do patriarca apareceram um mês e meio depois de um bispo australiano ter sido demitido por causa da mesma questão. William Morris, bispo de Toowoomba, admitira em 2006 o debate sobre o tema. No início de Maio deste ano, o Vaticano forçou-o a sair do cargo. Numa carta em que lhe anunciava a decisão, o Papa Bento XVI dizia que a doutrina da Igreja sobre o tema é "infalível".

Na mesma altura, ainda na segunda quinzena de Junho, o Vatican Insider, site de informação religiosa do diário italiano La Stampa, o vaticanista Andrea Tornielli acrescentava que as declarações do patriarca desalinhavam do que já tinham dito João Paulo II e Bento XVI.

De facto, não é nova a ideia expressa pelo patriarca. Em 1999, com um ano no cargo, dizia D. José, no livro-entrevista Igreja e Democracia (ed. Multinova): "Que [as mulheres] eram capazes - as que tivessem vocação para isso - não tenho dúvidas. (...) As razões pelas quais a Igreja Católica não se abriu ainda a essa hipótese são sobretudo as da tradição apostólica, que foi sempre de homens." E acrescentava: "Terão de ser as comunidades e a Igreja, como um todo, a amadurecerem o assunto. É um facto que hoje, mesmo dentro da Igreja Católica, se aceitam mulheres em papéis que há trinta anos eram impensáveis."

"Se Deus quiser"

Em Maio de 2003, em Viena de Áustria, D. José Policarpo respondeu no mesmo sentido a uma pergunta de uma jornalista, numa conferência de imprensa do Congresso Internacional para a Nova Evangelização.

Na entrevista agora em questão, o patriarca falava de uma carta do Papa João Paulo II, de 1994, e de um esclarecimento, um ano depois, da Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo então cardeal Joseph Ratzinger. Os dois textos diziam que o tema pertencia ao "depósito da fé".

D. José Policarpo acrescentava: "Penso que a questão não se dirime assim; teologicamente, não há nenhum obstáculo fundamental; há esta tradição, digamos assim... Nunca foi de outra maneira." E, antecipando o que a si próprio lhe iria acontecer, dizia ainda: "No momento que estamos a viver, é um daqueles problemas que é melhor nem levantar... Suscita uma série de reacções." A mudança, terminava, acontecerá "se Deus quiser que aconteça, e se estiver nos planos Dele acontecerá".

No esclarecimento publicado a 6 de Julho, e que pode ser lido na íntegra no site do patriarcado, o cardeal dizia que nos primeiros tempos do Cristianismo "é notória a harmonia entre o facto de o sacerdócio apostólico ser conferido a homens e a importância e dignidade das mulheres na Igreja". E, depois de citar a carta de João Paulo II, afirmava que seria para ele "doloroso" que as suas palavras "pudessem gerar confusão" na adesão "à Igreja e à palavra do Santo Padre".