Na Somália há quem fuja à seca para depois morrer nas chuvas

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Milhares procuram ajuda nos campos junto a Mogadíscio Feisal Omar/Reuters

Depois de meses de seca, que deixaram milhares de somalis sem nada para comer, agora chove em Mogadíscio. E chove muito. Tanto que cinco pessoas que tinham fugido à fome e tentado procurar ajuda nos campos de refugiados junto à capital somali acabaram por morrer sem conseguir chegar a um abrigo. Três eram crianças.

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Depois de meses de seca, que deixaram milhares de somalis sem nada para comer, agora chove em Mogadíscio. E chove muito. Tanto que cinco pessoas que tinham fugido à fome e tentado procurar ajuda nos campos de refugiados junto à capital somali acabaram por morrer sem conseguir chegar a um abrigo. Três eram crianças.

A história destas cinco pessoas foi contada à BBC por Osman Duflay, um médico que tem procurado ajudar os refugiados em Mogadíscio e que já não tem palavras brandas para descrever o que está a acontecer. “É um desastre”. Os próximos meses serão determinantes, adianta. “Especialmente as mulheres grávidas e as crianças com menos de cinco anos estão a sofrer de subnutrição e de outras doenças, como diarreia ou pneumonia”.

Não se sabe ao certo quantas pessoas estão a ser afectadas pela seca, a pior dos últimos 60 anos no Corno de África, mas são certamente mais de 10 milhões – o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, falou na semana passada em 11 milhões, outras estimativas apontam para 12 milhões. Mas sabe-se que nos campos de refugiados de Dadaab, no Quénia, para onde têm fugido milhares de somalis, deviam estar abrigadas cerca de 90 mil pessoas e estão lá mais de 380 mil. Chegam pelo menos 1400 em cada dia que passa, e outras tantas fogem para a Etiópia.

O Governo do Quénia anunciou a abertura de um novo campo de refugiados em Dadaab, o Ifo II, que deverá começar a funcionar dentro de dez dias. Será o quarto campo, depois de Ifo, Hagadera e Dagahaley. A decisão foi saudada pelo alto-comissário da ONU para os Refugiados, António Guterres, que escreveu ao primeiro-ministro queniano Raila Odinga e ao Presidente Mwai Kibaki a prometer o apoio da ONU. Os campos de Dadaab já estavam cheios em 2008, agora vivem cinco famílias em abrigos onde só deveria estar uma, sublinhou o Guardian.

Na região afectada pela seca, que abrange a Somália mas também o Quénia, Etiópia, Uganda e Djibuti, haverá 2 milhões de crianças subnutridas, segundo estimativas da Unicef, e quando no mês passado membros dos Médicos sem Fronteiras mediram e pesaram cerca de 500 crianças menores de cinco anos em Dadaab concluíram que 37 por cento sofriam de malnutrição e 17 por cento corriam risco de vida. A situação não será melhor na Etiópia, para onde fugiram, só em Junho, cerca de 54 mil somalis.

Ontem o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) anunciou que está a preparar o envio de ajuda humanitária através de uma ponte aérea que fará chegar aos refugiados somalis no Quénia 600 toneladas de tendas que estão armazenadas no Kuwait, para além de outros bens de primeira necessidade. “Haverá pelo menos seis voos”, explicou em conferência de imprensa o porta-voz do ACNUR, Adrian Edwards. O primeiro deverá aterrar no domingo em Nairobi.

A França pediu uma reunião de emergência do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) para que seja coordenada a ajuda internacional. Haverá hoje cerca de 2,8 milhões de somalis a precisar de apoio humanitário, as condições sanitárias degradaram-se e a Organização Mundial de Saúde já alertou para o risco de a cólera poder vir a afectar cerca de 5 milhões de pessoas.

A ajuda de emergência que está a ser preparada já não chegará a tempo para a família de Rahmo Ibrahim Madey, uma mulher de 29 anos que fugiu da região de Bakol, no Sul da Somália, para tentar chegar aos campos junto a Mogadíscio. Estava já a cerca de 30 quilómetros quando a sua filha de um ano, Fadumo, não resistiu à fome. Mais tarde, já no campo, Madey estava a dar à sua outra filha de quatro anos algumas colheres de papa de farinha e confessou ao Los Angeles Times estar com medo de que já fosse demasiado tarde. A criança morreu minutos depois.