Dois agentes da PSP condenados a pena de prisão efectiva
O colectivo lembrou que um Estado de Direito afere-se pela forma como trata os delinquentes, mas também pelo modo como pune os seus agentes quando estes se comportam como os arguidos. Foram dados como provados os crimes de ofensa à integridade física qualificada, coacção grave e abuso de poder.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O colectivo lembrou que um Estado de Direito afere-se pela forma como trata os delinquentes, mas também pelo modo como pune os seus agentes quando estes se comportam como os arguidos. Foram dados como provados os crimes de ofensa à integridade física qualificada, coacção grave e abuso de poder.
O caso remonta a Julho de 2008: Adrian Grunert, um alemão então com 23 anos que se encontrava a estudar Linguística em Portugal, ao abrigo do programa Erasmus, saiu de casa no dia 25 à tarde para ir ao Museu de Arte Antiga, em Lisboa, com a namorada. O casal apanhou um eléctrico. Ela entrou, ele pendurou-se na traseira do veículo e seguiu viagem sem pagar bilhete. No Largo Conde Barão, quando o eléctrico estava parado, foi agarrado por dois agentes - Rui Neto e Osvaldo Magalhães.
Apesar de inicialmente recusar acompanhar os polícias, dizendo que tinha consigo os documentos de identificação e que a namorada estava dentro do eléctrico, acabou por ser levado para a esquadra das Mercês, sozinho. E é aqui, segundo o tribunal, que os agentes, usando luvas de couro, lhe desferiram vários murros que o atingiram na cara, têmporas e orelhas.
Ontem, ao PÚBLICO, a Direcção Nacional da PSP fez saber que não tinha informação oficial sobre a condenação. Quanto aos dois agentes, nunca admitiram as agressões.
Quando foi agredido, Adrian tentou fugir, mas foi empurrado, caindo no chão. Segundo o tribunal, foi então pontapeado nas costas, no peito e nas pernas. Pediu ajuda e os agentes ter-se-ão rido.
Durante o tempo em que esteve na esquadra, também lhe foi exigido que se despisse totalmente para que lhe fosse feita uma revista. Não queria, mas acabou por se despir e foi-lhe ordenado que se colocasse de cócoras e se baixasse e levantasse algumas vezes. Um método de revista que um dos agentes admitiria, durante o julgamento que começou já em Abril deste ano, que foi excesso de zelo. Um método que, para o tribunal, constitui uma enorme humilhação. Mais: os juízes entendem que o facto de o jovem viajar sem bilhete nem sequer justificaria a detenção para identificação.
Adrian tinha consigo 0,2 gramas de haxixe, que lhe foram apreendidos. Mas os agentes não elaboram nenhum auto de ocorrência, concluíram ainda os juízes.
Depois de sair das Mercês, o jovem foi directamente à esquadra da Lapa apresentar queixa. E, de seguida, ao hospital. Lesões detectadas: traumas múltiplos no corpo, hematoma retroauricular, escoriações no cotovelo, no hipocôndrio e nas costas, cervicalgias.
Pena "relativamente anormal"Contactado pelo PÚBLICO, Carlos Paisana, o advogado de Adrian - que, entretanto, regressou à Alemanha, onde vive - diz que os agentes da PSP terão intenção de recorrer da sentença. Recorda que outros terão participado nas agressões, mas que não foram acusados. Mas considera a sentença "muito correcta e muito importante".
"O facto de o tribunal não suspender a pena mostra que esta deve ser entendida como exemplar", explica. "O juiz destacou a especial censurabilidade de actos cometidos sob, disse, a habitual cortina de fumo de uma esquadra."
Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, não conhece o caso em concreto. Mas diz que a pena "não é pesada em face da gravidade dos crimes imputados". É, contudo, "relativamente anormal dada a tradição de complacência do poder judicial em relação à arbitrariedade da polícia". O bastonário afirma que há "cenas de verdadeira tortura praticadas nas esquadras da PSP, postos da GNR e pela PJ" e que os magistrados "tendem a ter uma complacência exagerada".
Também Francisco Teixeira da Mota, advogado, não se recorda de penas de prisão efectiva aplicadas a agentes policiais, nomeadamente em casos em que não há mortes. "É seguramente uma condenação rara."
A não suspensão da pena, explica, significa que o tribunal quer dar à sociedade um sinal de que há "uma condenação efectiva" deste tipo de actos.