Alegada descoberta arqueológica na ilha Terceira não tem comprovação científica
Não existe um consenso em relação à descoberta dos novos sítios arqueológicos no Monte Brasil, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, Açores. A descoberta foi anunciada na passada quinta-feira pelos arqueólogos Nuno Ribeiro e Anabela Joaquinito, da Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica (APIA). A Direcção Regional da Cultura dos Açores (DRCA), entidade que regulamenta a actividade arqueológica no arquipélago, não reconhece a descoberta e os especialistas na área não acreditam que existam no Monte Brasil monumentos e santuários do tipo hipogeu, do século IV a.C.
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Não existe um consenso em relação à descoberta dos novos sítios arqueológicos no Monte Brasil, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, Açores. A descoberta foi anunciada na passada quinta-feira pelos arqueólogos Nuno Ribeiro e Anabela Joaquinito, da Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica (APIA). A Direcção Regional da Cultura dos Açores (DRCA), entidade que regulamenta a actividade arqueológica no arquipélago, não reconhece a descoberta e os especialistas na área não acreditam que existam no Monte Brasil monumentos e santuários do tipo hipogeu, do século IV a.C.
"Em primeiro lugar, não podemos sequer falar de uma descoberta ou um achado. Ninguém descobriu nada agora, aquelas estruturas escavadas na rocha já existem há muitíssimos anos. Diz a história e os documentos que aquelas grutas foram estruturas de apoio militar, propositadamente criadas para aquele efeito. Não tenho nenhuma razão para acreditar que aquilo seja outra coisa", diz ao PÚBLICO Francisco Maduro Dias, presidente do Instituto Histórico da Ilha Terceira, explicando que durante a II Guerra Mundial aquele era um sítio de abrigo e de apoio das tropas portuguesas.
Porém, Nuno Ribeiro, o arqueólogo responsável pelo projecto da APIA, tem a certeza do seu achado. "Aquilo que vimos são estruturas impressionantes, verdadeiros túmulos. No século XV não era esta a forma de construção utilizada. São grandes templos escavados dentro de monumentos do tipo hipogeu [monumentos funerários subterrâneos], de grandes dimensões, muito bem conservados. Pela planta dos monumentos, pela simbologia e pelo contexto, podemos afirmar que são monumentos com cerca de 2500 anos." O arqueólogo diz que ainda não foram feitos quaisquer trabalhos de investigação no sítio, tendo para já apenas recorrido ao método comparativo, em algumas "viagens de recreio", através da observação do espaço e da comparação com complexos arqueológicos semelhantes.
"Aquilo são grutas. Quando há uma ocupação humana, há sempre vestígios que ela deixa. Aqui não há nada. Como é que se pode afirmar isto? Não existem meios que sustentem a existência humana [nas ilhas] antes dos portugueses", comentou o investigador Monge Soares, actualmente no Instituto Tecnológico e Nuclear, em Sacavém. Ideia igualmente partilhada por Ana Arruda, arqueóloga e professora na Faculdade de Letras de Lisboa. "Para haver mortos, teria de haver vivos, ou seja, teriam de existir espaços arqueológicos que provassem a vida, e isso não há", disse a académica, argumentando que se existem evidências de túmulos e santuários, teria de haver provas da existência de pessoas que prestassem culto. Com esta descoberta, a história do povoamento do arquipélago - que, de acordo com as fontes históricas e científicas, ocorreu apenas no século XV - teria de ser revisto. "Eu tenho as maiores reservas em aceitar isto. É preciso apresentar dados arqueológicos que provem isso e até agora não foi feito. Com esta evidência arqueológica, parece-me tudo fantasia."
Fantasia "ao estilo de Indiana Jones" foi como o Centro de Estudos de Arqueologia Moderna e Contemporânea definiu esta notícia, acusando a APIA de falta de "validação científica". A instituição escreveu em comunicado que as descobertas são "meramente sensacionalistas e ao gosto de filmografia de Indiana Jones. Descredibilizam, mormente, a classe arqueológica, que se deve mover com dados fundamentados e com rigor na interpretação e na análise do passado".
Também o presidente da Associação Portuguesa de Arqueólogos, José Arnaut, defende uma comprovação científica dos factos. "Em arqueologia tudo é possível se for devidamente comprovado", refere. "Há muita especulação em relação a estas questões, de tempos em tempos surgem afirmações assim, mas não basta dizer. Na prática, é preciso ser comprovado por especialistas nas áreas, através de métodos científicos específicos."
Numa primeira fase, o projecto da APIA não foi aprovado pela DRCA, por falta de verbas, segundo Nuno Ribeiro. Mas o director regional Jorge Augusto Paulus Bruno considerou "irregular a apresentação pública de resultados e conclusões sobre eventuais sítios arqueológicos no Monte Brasil referentes a ocupações humanas anteriores ao povoamento português". Via email, o responsável explicou que "a associação APIA nunca apresentou até à data qualquer pedido formal de autorização de realização de prospecções". Em relação ao achado, Paulus Bruno partilha da mesma opinião que os arqueólogos: "Falta de comprovação científica".
Nuno Ribeiro combate as críticas falando em falta de conhecimento do espaço e possíveis invejas, prometendo que em Setembro, altura em que apresentará as descobertas no congresso SEAC 2011, em Évora, anunciará novidades que provarão que tem razão.