Alemanha, o gigante industrial que deixa o nuclear sem medo de ficar às escuras
O tsunami que, em Março, destruiu a central nuclear de Fukushima, no Japão, também atingiu os 17 reactores da Alemanha. A onda de 14 metros que se levantou do oceano Pacífico foi a gota de água que fez a chanceler Angela Merkel abandonar o nuclear e desligar da tomada um quarto da electricidade produzida no país, até 2022.
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O tsunami que, em Março, destruiu a central nuclear de Fukushima, no Japão, também atingiu os 17 reactores da Alemanha. A onda de 14 metros que se levantou do oceano Pacífico foi a gota de água que fez a chanceler Angela Merkel abandonar o nuclear e desligar da tomada um quarto da electricidade produzida no país, até 2022.
O mundo aguarda agora com curiosidade para saber como vai este colosso industrial resolver o seu problema energético, sem ficar às escuras e sem deixar de ser um dos países mais ricos do mundo.
A resposta está nas mãos de pessoas como Sascha Samadi. Este investigador alemão, de 30 anos, do Wuppertal Institute, estuda modelos energéticos e garante que o país está preparado. “Desde o acidente de Tchernobil [em 1986], e com toda a contestação dos cidadãos alemães aos comboios nucleares, sabemos que esta fonte de energia não faria parte do futuro da Alemanha”, comentou ao PÚBLICO.
Também as empresas energéticas aguardam o desmantelamento nuclear desde que, em 2002, o Governo do chanceler Gerard Schroeder, em coligação com Os Verdes, aprovou o encerramento das centrais, posição que Merkel pôs de lado durante alguns anos. Até agora.
Mas como será a Alemanha em 2022? As gerações de engenheiros nucleares passam a dedicar-se à tarefa hercúlea de desmantelar 17 reactores e a ajudar outros países a garantir a segurança das suas centrais.
As maiores mudanças acontecerão no sector da electricidade. “Teremos de acelerar muito a expansão das renováveis, principalmente a eólica off-shore, o solar e a biomassa e procurar formas de armazenar energia, para enfrentar as flutuações dos consumos”, disse Samadi numa entrevista em Lisboa, onde apresentou no final de Junho uma conferência sobre a estratégia alemã do faseamento nuclear. Em 2010, as renováveis representavam 17 por cento da electricidade; até 2022 têm de chegar aos 35 por cento e a meta para 2050 está entre os 80 e os 100 por cento. “O desmantelamento do nuclear pressiona-nos a encontrar soluções. Temos de aumentar a quota das renováveis mais depressa do que aquilo que prevíamos”, notou.
Ainda assim, não é suficiente. “Temos de ter outras soluções até2022. Uma é conseguir uma redução em dez por cento do consumo de energia; outra é construir mais centrais a carvão e gás natural, para compensar”.
Um dos preços que a Alemanha terá de pagar pela saída do nuclear é o aumento das suas emissões de gases com efeito de estufa nos próximos anos, pondo em causa as metas previstas no Protocolo de Quioto sobre alterações climáticas. Desde Março, a Alemanha já desligou oito dos seus 17 reactores e ninguém ficou às escuras. “Hoje estamos a usar mais carvão e gás natural, importado da Rússia, do que no ano passado, com mais emissões de dióxido de carbono [CO2] no sector da electricidade”, admitiu. Este aumento das emissões alemãs poderá “tornar mais improvável a União Europeia adoptar uma posição mais ambiciosa, aumentando de 20 para 30 por cento as suas metas de redução do CO2 até 2020”, salientou Samadi.
“Mas há que ter em conta que este é um problema a longo prazo. Depois de 2030, as emissões de CO2 na Alemanha serão mais baixas do que seriam se tivéssemos um desmantelamento nuclear mais tardio”. Em cima da mesa está a maior aposta no sequestro e armazenamento de carbono nas indústrias.
Factura vai subir
O outro preço a pagar pelo fim do nuclear serão os custos na factura dos cidadãos dos investimentos nas renováveis, da renovação da rede eléctrica e do desmantelamento dos 17 reactores nucleares. “Hoje na Alemanha circula todo o tipo de números. Aqueles que não querem a mudança citam valores mais elevados; os que têm interesse menosprezam os custos. Não acredito que os cidadãos estejam bem informados”, comentou o investigador.
“É verdade que, de início, precisaremos de mais investimentos, o que se vai reflectir no aumento do preço da electricidade. Contudo, os cenários mostram que, a médio prazo, ter renováveis sairá mais barato para os cidadãos alemães do que se o país se mantivesse tal como está. Precisamos desta mudança e de um sistema energético mais barato e seguro”. Samadi está convencido de que “se as pessoas conhecessem os custos reais da mudança, uma maioria concordaria em aceitá-los”.
A Alemanha prepara-se, então, para ser um país diferente. “Com um consenso na sociedade e entre os políticos para fazer os investimentos necessários, podemos dar o exemplo a outros países, indecisos em sair do nuclear”, disse o investigador. “Se estes virem que a Alemanha, um país industrializado e com 23 por cento de nuclear em 2010, conseguiu mudar em alguns anos, então também eles o poderão fazer. Ver um país fazer isto torna mais difícil alegar que é impossível”.