A Grécia vai conseguir?

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A história dá-nos motivos para estarmos cépticos. Numa democracia, quando as exigências dos mercados financeiros e dos credores estrangeiros entram em confronto com as dos trabalhadores domésticos, pensionistas e classe média, são habitualmente os habitantes locais que têm a última palavra.

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A história dá-nos motivos para estarmos cépticos. Numa democracia, quando as exigências dos mercados financeiros e dos credores estrangeiros entram em confronto com as dos trabalhadores domésticos, pensionistas e classe média, são habitualmente os habitantes locais que têm a última palavra.

A saída da Grã-Bretanha do Padrão Ouro em 1931 mantém-se como um marco histórico. Tendo cometido o erro de restaurar a paridade com o ouro a um nível que tornou a economia pouco competitiva, o país lutou durante vários anos com a deflação e o desemprego. Várias indústrias sofreram bastante e os confrontos laborais multiplicaram-se. Mesmo com o desemprego nos 20 por cento, o Banco de Inglaterra tinha de manter taxas de juro elevadas para evitar uma fuga maciça de ouro. Em Setembro de 1931, a pressão crescente dos mercados financeiros empurrou o país para fora do Padrão Ouro.

Não era a primeira vez que a rigidez financeira do Padrão Ouro fazia sofrer a economia real. A diferença é que a Grã-Bretanha se tinha tornado numa sociedade mais democrática. Mesmo contra os seus próprios instintos, os políticos e os banqueiros centrais compreendiam que não podiam continuar alheios à consequências da recessão e do desemprego.

E, mais importante, os investidores compreendiam isso também. Assim que os mercados financeiros começaram a questionar a credibilidade do compromisso do Governo relativamente a uma taxa de câmbio fixa, eles tornaram-se uma fonte de instabilidade. Ao mínimo sinal negativo, os investidores retiravam o seu capital do País, precipitando o colapso da moeda.

Assistiu-se a uma repetição deste filme na Argentina no final dos anos 90. A chave da estratégia económica depois de 1991 era a lei da convertibilidade, que ancorava o peso ao dólar e proibia qualquer tipo de restrições nos fluxos de capital.

O ministro argentino da Economia, Domingo Cavallo, via a lei da convertibilidade como um seguro e um motor para a economia. Inicialmente, a estratégia funcionou bem, trazendo a tão desejada estabilidade de preços. No entanto, no fim da década, o pesadelo argentino regressou.

A crise financeira asiática e a desvalorização brasileira no início de 1999 deixaram o peso argentino claramente sobrevalorizado. As dúvidas em relação à capacidade de pagar a sua dívida externa multiplicaram-se e, passado pouco tempo, a credibilidade estava já abaixo de alguns países africanos.

Em última análise, o que selou o destino da Argentina não foi a falta de vontade política dos seus líderes, mas antes a sua incapacidade para impor políticas cada vez mais dolorosas para a sua população. O Governo argentino até se mostrou disposto a anular contratos com quase todos no plano interno - funcionários públicos, pensionistas, governos regionais e aforradores - para conseguir cumprir as suas obrigações com os credores estrangeiros. Mas os investidores começaram a duvidar de que o congresso argentino e o cidadão comum tolerassem as políticas de austeridade necessárias para continuar a pagar a dívida externa. À medida que os protestos se espalhavam, foi-lhes sendo dada razão. Quando a globalização colide com a política interna, os bons investidores apostam na equipa da casa.

Talvez haja outro caminho. Veja-se o caso da Letónia, que recentemente viveu dificuldades económicas semelhantes às da Argentina há uma década. A Letónia tinha crescido rapidamente desde a adesão à EU em 2004, com base em crédito externo de larga escala e numa bolha do seu mercado imobiliário.

Previsivelmente, a crise financeira mundial deixou a economia da Letónia em dificuldades. Assim que os empréstimos e os preços das casas caíram, o desemprego subiu até 20 por cento e o PIB diminuiu 18 por cento em 2009. Em Janeiro desse ano, o país registou os maiores protestos desde o colapso da União Soviética.

A Letónia tinha uma taxa de câmbio fixa e livre movimento de capitais, tal como a Argentina. A sua divisa estava indexada ao euro desde 2005. Ao contrário da Argentina, contudo, os políticos da Letónia resistiram, não desvalorizando a divisa nem controlando os capitais.

O que parece ter mudado, neste caso, o balanço entre custos e benefícios políticos foi a perspectiva de chegada à terra prometida de uma eventual adesão à zona euro, o que compelia os responsáveis políticos a evitar qualquer opção que ameaçasse esse objectivo. Isso, por sua vez, aumentou a credibilidade das suas acções junto dos mercados, apesar dos elevados custos económicos.

Irá a Grécia ser uma Argentina ou uma Letónia? Do ponto de vista económico, os sinais não são encorajadores. A não ser que a economia grega recupere, assumir novas dívidas não é mais do que um paliativo temporário que irá exigir ainda mais austeridade no futuro. E, enquanto a procura interna continuar deprimida, as reformas estruturais - como as privatizações e a liberalização do mercado de trabalho - dificilmente vão garantir o tão necessário crescimento.

Como as experiências da Grã-Bretanha entre as Grandes Guerras - e mais recentemente da Argentina e da Letónia - mostram, é a política que, em última análise, determina o resultado final. Para que o programa grego tenha algumas hipóteses, o Governo de Papandreou tem de realizar um esforço monumental para convencer a sua população de que os custos económicos são o preço que estão a pagar por um futuro mais brilhante - e não apenas um meio para satisfazer os credores externos.Professor de Economia Política na Universidade de Harvard

Público/Project Syndicate, 2011