You Can't Win, Charlie Brown: estão seis atrás da porta

Foto

Sublime. A palavra com que este texto abre não vai em português. Vai em francês. E, ainda assim, escreve-se na ausência de outra que melhor defina os You Can't Win, Charlie Brown (YCWCB) para a revista francesa "Les Inrockuptibles". Parecendo querer meter mais uma colherada na longa lista de músicos portugueses celebrados primeiro no estrangeiro e só depois na sua terra, o caso da banda lisboeta é, no entanto, bastante singular. "Chromatic", o primeiro álbum dos YCWCB, está à venda apenas em Portugal e lá fora é conhecido sobretudo graças a uma rápida e epidémica disseminação por blogues e sites anglófonos, histéricos com a chegada do álbum após um EP de circulação restrita. A associação estabelecida por quem os ouve a nomes altamente celebrados da música independente de hoje como Animal Collective, Grizzly Bear ou Fleet Foxes ajudou a que o seu estranho nome não se perdesse no violento caudal de informação blogosférico. Reflexo, defendem, de tentarem "fazer uma coisa que fosse bastante actual e que tivesse a ver com o que se está a passar musicalmente no mundo".

No caso dos franceses, conheceram-nos ao assistirem a um concerto no festival The Great Escape, espécie de South by Southwest que toma conta de Brighton anualmente, onde os YCWCB actuaram há menos de um mês, num cartaz de que faziam parte Sufjan Steven, Anna Calvi, Gang Gang Dance ou Warpaint, entre mais de 300 bandas. Mas como raio é que um grupo de portugueses de mãos a abanar começa a mostrar-se com tamanha relevância no exterior? Recuemos um pouco, até Outubro de 2010, quando a ex-vocalista dos Bonde do Rolê, Marina Gasolina, vem a Lisboa tentar incendiar a plateia que assiste ao seu concerto no Music Box. A acompanhá-la vem Peggy, a sua manager inglesa, a quem alguém da sala lisboeta resolve mostrar nos camarins gravações do álbum de estreia de um promissor grupo lisboeta. No dia seguinte, a caixa de email de Afonso Cabral dá já conta de um contacto inesperado: "Quero trabalhar com vocês. Digam-me coisas". Isto em inglês. Afonso, a voz que mais povoa as músicas dos YCWCB, pasma. Apesar da proposta meio absurda de terem um management sediado em Londres, aceitam.

Mas recuemos ainda mais um pouco, recuperando a carga talismânica do Music Box na vida do grupo. Em Maio de 2010, os YCWCB tocam na mesma sala, em apresentação do EP homónimo gravado para a série Optimus Discos. Algures no público estava o designer tipográfico e tocador de órgão Farfisa nos Real Combo Lisbonense (= máquina de dança para coretos) Mário Feliciano. Feliciano, final do concerto, vai ter com eles: "Gostei imenso, nós temos um estúdio, nunca produzi o disco de uma banda e gostava de produzir". Ficaram rendidos no momento em que ouviram a palavra estúdio. A parca experiência do produtor foi compensada pelo acesso livre à "oficina" partilhada com o irmão João Paulo Feliciano, sem deadlines a apertar-lhes os calcanhares ou moer-lhes as cabeças. Foi praticamente um ano de gravações - com uma paragem de dois meses para Salvador Menezes concluir a licenciatura - ao fim-de-semana, nos fins de tarde, "muitas sessões até às sete da manhã ao sábado à noite para fazer render a coisa".

Montagem de esboços

Com toda a calma do mundo, foram montando os esboços e fragmentos de músicas recolhidos entre os seis, porque, no fundo, foi assim que tudo começou antes ainda. Pedimos a vossa compreensão para mais um recuo no tempo. Em Junho de 2009, a Fnac lançou a sua versão actualizada da compilação Novos Talentos. Na madrugada da véspera de cair o prazo para o envio de material, os YCWCB terminam apressadamente a sua primeira música, "Sad Song". Era a primeira consumação de uma ideia simples: Afonso, Salvador e Luís Cabral andavam cada um para seu lado a trabalhar sozinhos nalgumas canções soltas. Luís pediu a Afonso que tocasse nas músicas dele, Afonso sugeriu que Luís retribuísse e que Salvador também entrasse no esquema. E a gravação de "Sad Song" só avançou porque Henrique Amaro, responsável pela compilação da Fnac, convidou Luís a enviar alguma coisa. "Tivemos de gravar porque ainda não tínhamos nada feito, não tínhamos dado sequer um único concerto", lembra Afonso.

Nessa mesma noite, uma questão impunha-se - escolher um nome. Até havia um, Of Broken English, mas por alguma razão a menção do nome era como um botão pressionado na cabeça de David Santos (também conhecido por Noiserv) que disparava a memória de uma banda de péssima memória nas águas do rap-metal: Papa Roach. Assim que David se confessou, já ninguém conseguia evitar a imagem bovina da banda de Vacaville. Enfiados que estavam numa cave cheia de livros, limparam o pó a um volume de Peanuts intitulado "You Can't Win, Charlie Brown". "Achámos que servia que nem uma luva", diz Salvador. "A estética do nome tinha que ver com o nosso som. Na altura, era um som mais triste. E como trabalhávamos a música muito individualmente e o Charlie Brown tem muito de solidão e tristeza, achámos que fazia sentido". Este carácter prevaleceu ainda na feitura de "Chromatic", com o disco a crescer ao ritmo da troca de emails entre os seis: "Somos uma banda que quase funciona mais por email do que cara a cara".

Só depois, aos poucos, a banda foi tomando forma. De início, a ideia era que fosse saudavelmente mutável, com elementos que entrassem e saíssem livremente. Havia concertos assegurados por três elementos, outros com quatro ou com seis. Era igual. Mas foram depois percebendo que esta sociedade a seis - Afonso, Salvador, David, Luís, João Gil e Tomás Sousa - garantia os melhores resultados. "De início, foi principalmente porque precisávamos de mais gente para conseguir reproduzir aquilo que tínhamos gravado", admite Afonso. Mas as peças encaixaram bem o suficiente. E então arranjaram uma porta. Agora já não entra e sai quem quer.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Sublime. A palavra com que este texto abre não vai em português. Vai em francês. E, ainda assim, escreve-se na ausência de outra que melhor defina os You Can't Win, Charlie Brown (YCWCB) para a revista francesa "Les Inrockuptibles". Parecendo querer meter mais uma colherada na longa lista de músicos portugueses celebrados primeiro no estrangeiro e só depois na sua terra, o caso da banda lisboeta é, no entanto, bastante singular. "Chromatic", o primeiro álbum dos YCWCB, está à venda apenas em Portugal e lá fora é conhecido sobretudo graças a uma rápida e epidémica disseminação por blogues e sites anglófonos, histéricos com a chegada do álbum após um EP de circulação restrita. A associação estabelecida por quem os ouve a nomes altamente celebrados da música independente de hoje como Animal Collective, Grizzly Bear ou Fleet Foxes ajudou a que o seu estranho nome não se perdesse no violento caudal de informação blogosférico. Reflexo, defendem, de tentarem "fazer uma coisa que fosse bastante actual e que tivesse a ver com o que se está a passar musicalmente no mundo".

No caso dos franceses, conheceram-nos ao assistirem a um concerto no festival The Great Escape, espécie de South by Southwest que toma conta de Brighton anualmente, onde os YCWCB actuaram há menos de um mês, num cartaz de que faziam parte Sufjan Steven, Anna Calvi, Gang Gang Dance ou Warpaint, entre mais de 300 bandas. Mas como raio é que um grupo de portugueses de mãos a abanar começa a mostrar-se com tamanha relevância no exterior? Recuemos um pouco, até Outubro de 2010, quando a ex-vocalista dos Bonde do Rolê, Marina Gasolina, vem a Lisboa tentar incendiar a plateia que assiste ao seu concerto no Music Box. A acompanhá-la vem Peggy, a sua manager inglesa, a quem alguém da sala lisboeta resolve mostrar nos camarins gravações do álbum de estreia de um promissor grupo lisboeta. No dia seguinte, a caixa de email de Afonso Cabral dá já conta de um contacto inesperado: "Quero trabalhar com vocês. Digam-me coisas". Isto em inglês. Afonso, a voz que mais povoa as músicas dos YCWCB, pasma. Apesar da proposta meio absurda de terem um management sediado em Londres, aceitam.

Mas recuemos ainda mais um pouco, recuperando a carga talismânica do Music Box na vida do grupo. Em Maio de 2010, os YCWCB tocam na mesma sala, em apresentação do EP homónimo gravado para a série Optimus Discos. Algures no público estava o designer tipográfico e tocador de órgão Farfisa nos Real Combo Lisbonense (= máquina de dança para coretos) Mário Feliciano. Feliciano, final do concerto, vai ter com eles: "Gostei imenso, nós temos um estúdio, nunca produzi o disco de uma banda e gostava de produzir". Ficaram rendidos no momento em que ouviram a palavra estúdio. A parca experiência do produtor foi compensada pelo acesso livre à "oficina" partilhada com o irmão João Paulo Feliciano, sem deadlines a apertar-lhes os calcanhares ou moer-lhes as cabeças. Foi praticamente um ano de gravações - com uma paragem de dois meses para Salvador Menezes concluir a licenciatura - ao fim-de-semana, nos fins de tarde, "muitas sessões até às sete da manhã ao sábado à noite para fazer render a coisa".

Montagem de esboços

Com toda a calma do mundo, foram montando os esboços e fragmentos de músicas recolhidos entre os seis, porque, no fundo, foi assim que tudo começou antes ainda. Pedimos a vossa compreensão para mais um recuo no tempo. Em Junho de 2009, a Fnac lançou a sua versão actualizada da compilação Novos Talentos. Na madrugada da véspera de cair o prazo para o envio de material, os YCWCB terminam apressadamente a sua primeira música, "Sad Song". Era a primeira consumação de uma ideia simples: Afonso, Salvador e Luís Cabral andavam cada um para seu lado a trabalhar sozinhos nalgumas canções soltas. Luís pediu a Afonso que tocasse nas músicas dele, Afonso sugeriu que Luís retribuísse e que Salvador também entrasse no esquema. E a gravação de "Sad Song" só avançou porque Henrique Amaro, responsável pela compilação da Fnac, convidou Luís a enviar alguma coisa. "Tivemos de gravar porque ainda não tínhamos nada feito, não tínhamos dado sequer um único concerto", lembra Afonso.

Nessa mesma noite, uma questão impunha-se - escolher um nome. Até havia um, Of Broken English, mas por alguma razão a menção do nome era como um botão pressionado na cabeça de David Santos (também conhecido por Noiserv) que disparava a memória de uma banda de péssima memória nas águas do rap-metal: Papa Roach. Assim que David se confessou, já ninguém conseguia evitar a imagem bovina da banda de Vacaville. Enfiados que estavam numa cave cheia de livros, limparam o pó a um volume de Peanuts intitulado "You Can't Win, Charlie Brown". "Achámos que servia que nem uma luva", diz Salvador. "A estética do nome tinha que ver com o nosso som. Na altura, era um som mais triste. E como trabalhávamos a música muito individualmente e o Charlie Brown tem muito de solidão e tristeza, achámos que fazia sentido". Este carácter prevaleceu ainda na feitura de "Chromatic", com o disco a crescer ao ritmo da troca de emails entre os seis: "Somos uma banda que quase funciona mais por email do que cara a cara".

Só depois, aos poucos, a banda foi tomando forma. De início, a ideia era que fosse saudavelmente mutável, com elementos que entrassem e saíssem livremente. Havia concertos assegurados por três elementos, outros com quatro ou com seis. Era igual. Mas foram depois percebendo que esta sociedade a seis - Afonso, Salvador, David, Luís, João Gil e Tomás Sousa - garantia os melhores resultados. "De início, foi principalmente porque precisávamos de mais gente para conseguir reproduzir aquilo que tínhamos gravado", admite Afonso. Mas as peças encaixaram bem o suficiente. E então arranjaram uma porta. Agora já não entra e sai quem quer.