Hamza, de 13 anos, torturado e morto pelo regime, é o rosto da revolução síria

Foto
Fotomontagem publicada numa página do Facebook de homenagem a Hamza

"A tortura é habitual na Síria. Não é algo novo nem estranho. O que é especial em relação a Hamza é que ele só tinha 13 anos. Era uma criança. Foi isso que chocou todos os sírios, mesmo os que ainda não decidiram se querem ou não participar nos protestos", disse numa entrevista por Skype ao Washington Post Razan Zeitouneh, um advogado de direitos humanos que está escondido em Damasco.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

"A tortura é habitual na Síria. Não é algo novo nem estranho. O que é especial em relação a Hamza é que ele só tinha 13 anos. Era uma criança. Foi isso que chocou todos os sírios, mesmo os que ainda não decidiram se querem ou não participar nos protestos", disse numa entrevista por Skype ao Washington Post Razan Zeitouneh, um advogado de direitos humanos que está escondido em Damasco.

A vaga de contestação que começou na Tunísia continua viva, mesmo nos países onde os regimes têm reagido com mais violência, como no Iémen, no Bahrein ou na Síria. No país de Bashar al-Assad, os activistas contam pelo menos 1000 civis mortos mas é impossível saber ao certo as consequências da repressão. Os jornalistas estrangeiros estão proibidos de entrar e os jornalistas e activistas sírios têm sido perseguidos. Desde o início da contestação ao regime, "o recurso à tortura tornou-se "desenfreado"", denuncia a Human Rights Watch.

O que os tunisinos e os egípcios, que derrubaram os seus ditadores, tiveram e os sírios também já têm é um símbolo, um rosto para a revolta.

Na Tunísia, tudo começou quando o jovem vendedor ambulante Mohamed Bouazizi se imolou pelo fogo numa pequena cidade esquecida do Centro do país, depois de ter sido humilhado por polícias municipais. Semanas depois havia manifestantes em todo o país empunhando cartazes onde se lia "somos todos Bouazizi". No Egipto, aconteceu o mesmo com Khaled Said, um jovem de Alexandria espancado até à morte pela polícia e cujo rosto desfigurado foi usado pelos activistas. Na Síria, desde sábado que se ouve "Somos todos Hamza al-Khateeb".

Hamza vivia com a família em Jiza, localidade agrícola do Sul, perto de Daraa, um dos principais palcos dos protestos contra o Presidente Assad e da repressão ordenada por este contra os manifestantes. O regime tem insistido que os protestos são da responsabilidade de islamistas violentos e os sírios têm insistido em manifestar-se pacificamente, em concentrações onde não é raro verem-se crianças.

29 de Abril foi "sexta-feira de raiva" em várias cidades. Hamza acompanhou os familiares e amigos que se juntaram ao protesto desse dia em Daraa. As autoridades atiraram a matar e centenas de pessoas desapareceram na confusão. "Houve pessoas mortas e feridas, algumas foram presas. Foi caótico, nessa altura não sabíamos o que tinha acontecido a Hamza. Só sabíamos que ele tinha desaparecido", contou à Al-Jazira um primo.

Um activista da região confirmou à televisão do Qatar que Hamza al-Khateeb estava entre os 51 manifestantes presos nesse dia. "Estavam todos vivos quando foram para a prisão, mas recebemos 13 corpos esta semana e todos tinham sido torturados. Esperamos receber mais corpos."

YouTube e Facebook

A família de Hamza não soube dele até há uma semana, quando representantes do Governo apareceram na sua casa pedindo aos pais do rapaz que assinassem um documento concordando receber o corpo do rapaz em troca de não o mostrarem e de não discutirem as circunstâncias da sua morte. Os familiares concordaram, mas, perante o estado do corpo, chamaram um activista que fez o vídeo que foi parar ao YouTube.

Sábado foi dia de "Hamza": manifestantes em Hama, no Norte; em Darayya, um subúrbio de Damasco; e num bairro de Alepo, a maior cidade do país, gritaram o seu nome". No Facebook, a página Somos todos Hamza Ali al-Khateeb, a Criança Mártir já tem mais de 60 mil seguidores. Uma versão em inglês ultrapassou ontem os 7300. Cartazes com a sua fotografia vêem-se nas poucas imagens que chegam dos protestos.

"Este rapaz já é um símbolo", disse ao Post Wissam Tarif, do grupo Insan. Este caso, garante, "provocou as pessoas e os protestos estão a aumentar". O Governo francês afirmou-se ontem "consternado pelos testemunhos de tortura nas prisões sírias" e disse que Hamza "se tornou um símbolo" dos manifestantes torturados. Em Washington, o Departamento de Estado disse estar "horrorizado" com o relato do que aconteceu ao rapaz.

Damasco anunciou ao final do dia a abertura de um inquérito, depois de a UNICEF o ter pedido. A agência da ONU diz ter informações da morte de perto de 30 crianças na repressão.

"Esta é uma campanha de terrorismo em massa e intimidação. Pessoas atrozmente torturadas são enviadas de regresso às suas comunidades por um regime que não tenta encobrir os seus crimes mas, pelo contrário, os publicita", disse à Al-Jazira Ricken Patel, do grupo Avaaz, repetindo uma opinião partilhada por vários activistas.

Damasco quis mostrar o corpo de Hamza para intimidar os opositores, uma estratégia com objectivos dúbios e que o regime voltou ontem a baralhar com o anúncio de "uma amnistia geral para todos os presos políticos". A oposição considerou "pouco e tarde".