O playboy do crime
Se formos a ver bem as coisas, Carlos, "o Chacal", é capaz de ter sido um dos terroristas mais desastrados de sempre. Sim, matou gente e operação operações espectaculares. Mas fê-lo em nome não de uma causa, não de uma conta bancária, mas sim em nome da fama e do reconhecimento. Carlos seria, então, o primeiro "reality-terrorista" da era moderna, uma "premonição" da ideia de Don de Lillo sobre o terrorismo como arte moderna, um narciso que nunca deixou para trás a sua pose de pequeno burguês fascinado com a sensualidade da violência.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Se formos a ver bem as coisas, Carlos, "o Chacal", é capaz de ter sido um dos terroristas mais desastrados de sempre. Sim, matou gente e operação operações espectaculares. Mas fê-lo em nome não de uma causa, não de uma conta bancária, mas sim em nome da fama e do reconhecimento. Carlos seria, então, o primeiro "reality-terrorista" da era moderna, uma "premonição" da ideia de Don de Lillo sobre o terrorismo como arte moderna, um narciso que nunca deixou para trás a sua pose de pequeno burguês fascinado com a sensualidade da violência.
É assim que o francês Olivier Assayas vê Carlos, no seu épico de câmara que, para lá do retrato de Carlos como um playboy do crime, equivalente marxista e mercenário dos mafiosos românticos de Scorsese, assina um diagnóstico certeiro das convulsões políticas da Europa dos anos 1970 como resultado de uma insatisfação social canalizada para ideologias contestárias em modo "vamos brincar aos revolucionários". Assayas pinta o meio revolucionário como um "jet-set" solarizado, capitalismo substituído pela retórica anti-imperialista, mas em ambos os casos fascinados pelas posturas arquetípicas do cinema de acção. E, para melhor o fazer, o mais internacional dos cineastas franceses contemporâneos efectua uma síntese do seu cinema anterior, cruzando o fascínio pelo desenraizamento cosmopolita com a sua atenção às vibrações internas dessas personagens desenraizadas. O que daí resulta é um fresco nervoso e urgente, em fuga para a frente, como aliás é exigido pela "fúria de viver" da sua personagem com tanto de volúvel como de calculista, soberbamente habitada pelo venezuelano Edgar Ramírez.
O mais espantoso destas quase três horas é que passam a voar, arrastando o espectador numa viagem surreal por uma década de história mundial ainda hoje mal compreendida; o que é mais admirável ainda é que Assayas tenha conseguido construir um filme compacto e imparável a partir de quase seis horas de televisão (repartidas por três episódios de cem minutos cada), sem trair a história que quis contar nem criar um simples "compacto" televisivo. Bem pelo contrário: "Carlos" é um filme que só "por acaso" foi feito para televisão, e que tem mais a ver com a "nova" televisão das séries americanos como "The Wire" do que com o marasmo em que ainda hoje se pensa a TV em Portugal. É cinema, por onde se quiser vê-lo.