PJ detectou 90 simulações de crimes em dois anos
O fenómeno está pouco estudado e nem o Ministério da Justiça tem dados estatísticos sobre as condenações por simulação de crime - ilícito punido com pena de prisão até um ano - ou sobre denúncias caluniosas. O Ministério Público também não discrimina estes ilícitos nas suas estatísticas. "Os crimes contra a justiça englobam, além dos dois indicados, os crimes de usurpação de funções, falsidade de depoimento, suborno, favorecimento pessoal, branqueamento de capitais, denegação de justiça e prevaricação, violação de segredo de justiça. Em todo este universo, nos anos de 2008, 2009 e 2010, o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa teve 420 processos", informa a Procuradoria-Geral da República.
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O fenómeno está pouco estudado e nem o Ministério da Justiça tem dados estatísticos sobre as condenações por simulação de crime - ilícito punido com pena de prisão até um ano - ou sobre denúncias caluniosas. O Ministério Público também não discrimina estes ilícitos nas suas estatísticas. "Os crimes contra a justiça englobam, além dos dois indicados, os crimes de usurpação de funções, falsidade de depoimento, suborno, favorecimento pessoal, branqueamento de capitais, denegação de justiça e prevaricação, violação de segredo de justiça. Em todo este universo, nos anos de 2008, 2009 e 2010, o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa teve 420 processos", informa a Procuradoria-Geral da República.
A GNR e PSP também não dispõem de dados específicos. Mas as histórias, essas, vão-se acumulando nos comunicados da PJ. Como a da mulher de 37 anos, de Valpaços, que denunciou por carta ao companheiro que ela e a família estavam a ser chantageadas e ameaçadas de morte. As autoridades acabaram por localizá-la num hotel de Viana do Castelo e por concluir que o teor da carta era falso: a alegada vítima pretendia apenas ganhar tempo para decidir a sua vida.
A psicóloga Cristina Soeiro, da Escola da Polícia Judiciária, indica que não há estudos nacionais sobre falsas denúncias, mas explica que há algumas investigações estrangeiras, essencialmente ligadas aos crimes sexuais. "Investigadores ingleses concluíram que, no crime de violação, chegam a ser declaradas falsas 33 por cento das situações", precisa a psicóloga. Na Escola da PJ, a única preparação passa por ensinar os inspectores a detectar sinais da mentira, mas não há fórmulas mágicas. "Há indicadores da mentira, como a alteração de comportamentos, a falta de segurança na descrição ou a multiplicação de pausas, mas que podem ter outras explicações", ressalva Soeiro, para quem ainda há muito a fazer para transformar os detectores de mentiras em equipamentos fiáveis. Do velhinho polígrafo à imagiologia térmico-facial, sustenta a psicóloga, "todos partem do pressuposto de que quando mentimos ou dizemos a verdade usamos determinadas zonas cerebrais ou temos certas reacções, mas o que a ciência mostra é que essas reacções ou a activação de determinadas zonas não são exclusivas da mentira".
Pelas mãos de Carla Antunes, da Unidade de Psicologia da Justiça da Universidade do Minho, passaram dezenas de falsas denúncias de maus tratos, negligência e abusos sexuais de menores. "A maioria acontece em contextos hostis como o divórcio", explica. Mas nem sempre são intencionais. "Por vezes há uma hipervigilância que leva a uma má interpretação de alguns comportamentos sexuais dos menores", salienta. E sublinha: "As crianças em idade pré-escolar gostam de agradar e, às vezes, perante um questionário sugestivo, acabam por confirmar impressões erradas". Carla Antunes realça, contudo, que normalmente as crianças fazem estes relatos de forma muito estruturada e repetitiva, não tendo capacidade para pormenorizar a história.
Lembrando que muitas destas alegações têm efeitos imediatos e sérios - já que a criança é afastada, ainda que temporariamente, do progenitor suspeito -, a psicóloga confirma a pouca responsabilização. "Já tive vários casos e só um resultou na condenação judicial de quem fez a falsa denúncia. O Ministério Público dá a possibilidade ao denunciado de reagir, mas normalmente não toma a iniciativa", refere. O cansaço psicológico e o peso dos custos deixam muitos casos sem sanção.
António Trogano, responsável pela unidade de Vila Real da PJ que investigou duas falsas denúncias nos últimos meses, concorda e lamenta que estas situações impliquem um desperdício de meios. "A simulação de crime tem uma pena muito reduzida, até um ano de prisão, que não é dissuasora", conclui este responsável por cujas mãos passou, em Janeiro, uma simulação de carjaking com objectivos económicos. Os dois indivíduos que esperavam receber os 25 mil euros que valeria o veículo seminovo, na realidade um carro acidentado, foram constituídos arguidos um mês depois.