"A Mãe": A rapariga que perdeu o medo

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Teresa Gafeira Nuno Ferreira Santos

Tinha 21 anos quando lhe perguntaram se ia continuar a ter medo. Foi a 25 de Abril de 1974 e já há anos que Teresa Gafeira participava em acções do Partido Comunista (então, escusado será dizer, na clandestinidade) na Faculdade de Arquitectura. "Tinha medo. Não sabia se iria aguentar, caso fosse presa. Não deixava de participar, mas tinha muito receio. Nunca se sabe."

As forças que encontrou são semelhantes às que hoje usa para pensar no teatro como uma forma de intervenção na sociedade. "São diferentes experiências colectivas", explica, fazendo questão de se separar das personagens e da sua vida do teatro. Nos tempos que se seguiram à revolução, coordenou acções junto das populações, pelas quais percorreu o país. Interessava-lhe mostrar, através do teatro, novos modelos de organização social, novas formas de intervenção, outras hipóteses de vida. Um património que, de certa forma, podemos entender como a terá levado à interpretação de Pelagea Vlassova, a protagonista de A Mãe, a peça de Bertold Brecht que a Companhia de Teatro de Almada estreou no ano passado e que até dia 30 de Abril está em reposição no Teatro da Trindade, em Lisboa.

Teresa Gafeira é notável na composição de uma mulher que se auto-educa para salvar o filho dos revolucionários soviéticos e, através de tudo o que aprende por ele, se torna um líder à sua escala do Partido Comunista. É uma mulher vestida de negro que, no fim, empunhará uma bandeira vermelha, como se ela representasse todas as esperanças, uma resistência a todos os medos.

Este é o terceiro texto de Bertold Brecht que interpreta, depois de A Excepção e a Regra (1981, encenação de Peter Schroth e Peter Kleinert) e Mãe Coragem e os Seus Filhos (2000, encenação de Joaquim Benite) e é a terceira vez que regressa a ele, depois da estreia em 2010, em Almada e, mais tarde, a reposição no Teatro Nacional São João, no Porto.

A apresentação de A Mãe reveste-se de particular significado. Não só a sua reposição coincide com os 40 anos de carreira do seu encenador, Joaquim Benite, como foi no Teatro da Trindade que a Companhia de Teatro de Almada esteve em residência em 1977. Foi também aqui que a peça se estreou em Portugal, em Março de 1976, com encenação de Carlos Wallenstein, interpretação de Anna Paula, direcção musical de Olga Prats e a mesma tradução de Yvette K. Centeno e Teresa Balbé, agora usada pela Companhia de Teatro de Almada e, em 1977 pela Comuna - Teatro de Pesquisa, na encenação para a qual ficaram para a história da música as canções de José Mário Branco.

Teresa Gafeira diz que aprende todos os dias. "Há peças que fazemos que nos ensinam todos os dias. Estamos a dizer uma frase e descobrimos que é por aquela e não por outra razão que ela ali está. Há ligações que nos ajudam a perceber melhor o que fazemos. Repito o texto, e repito-o vezes sem conta, até perceber cada palavra, ando com ele o tempo todo e há sempre coisas que descubro."

Diz que não há outra forma de o fazer. Di-lo sem que o tenha aprendido na escola, ela que se fez actriz a aprender a sê-lo, espectáculo após espectáculo. Teresa Gafeira é actriz porque queria ter sido bailarina mas o pai não a deixara. E só se tornou actriz profissional porque, durante os ensaios de uma peça, no então Grupo de Campolide, já dirigido por Joaquim Benite, o ameaçou: "Se não nos tornamos profissionais, vou-me embora para fora. Vou fazer teatro no estrangeiro". Anos depois casar-se-ia com o director da companhia, entretanto transformada em Companhia de Teatro de Almada, e o modo como trabalhavam, em reuniões gerais onde tudo era votado, marcou o início do teatro independente em Portugal. É, hoje, o rosto principal da companhia, mesmo que não queira ver-se assim. "Eu não escolho nada. Hoje já não se vota como nas reuniões gerais que duravam horas. Dizem-me o que vou fazer e eu digo sim." Essa liberdade "é um alívio", confessa.

"Adoro papéis pequenos. Aprende-se imenso." O prazer não é menor, confia, se fizer um grande papel como este, onde está três horas em cena, ou um outro, em que só faz "uma pontinha". E recorda O Fazedor de Teatro, de Thomas Bernhard - "se pudesse, estava sempre a fazer as peças dele" -, onde o seu papel "se resumia" a brevíssimas intervenções. "Não podendo sair do camarim, porque se via do palco, encontrei uma forma de estar sempre atenta. Comecei a fazer malha e divertia-me imenso a ouvir o Morais e Castro. Quando entrava em cena, estava pronta." "Para fazer um texto, é preciso perceber o contexto no qual ele foi feito. É preciso estudar, é preciso seguir o que o encenador nos diz. Nós estamos ali para dizer aquilo, não para dizer outra coisa."

Quando, no fim, segura a bandeira vermelha, seja Pelagea Vlassova ou Teresa Gafeira quem a segura, o que vemos é a mesma rapariga que no 25 de Abril de 1974 disse que não tinha medo. Ainda que não soubesse o que lhe ia acontecer a seguir.

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Tinha 21 anos quando lhe perguntaram se ia continuar a ter medo. Foi a 25 de Abril de 1974 e já há anos que Teresa Gafeira participava em acções do Partido Comunista (então, escusado será dizer, na clandestinidade) na Faculdade de Arquitectura. "Tinha medo. Não sabia se iria aguentar, caso fosse presa. Não deixava de participar, mas tinha muito receio. Nunca se sabe."

As forças que encontrou são semelhantes às que hoje usa para pensar no teatro como uma forma de intervenção na sociedade. "São diferentes experiências colectivas", explica, fazendo questão de se separar das personagens e da sua vida do teatro. Nos tempos que se seguiram à revolução, coordenou acções junto das populações, pelas quais percorreu o país. Interessava-lhe mostrar, através do teatro, novos modelos de organização social, novas formas de intervenção, outras hipóteses de vida. Um património que, de certa forma, podemos entender como a terá levado à interpretação de Pelagea Vlassova, a protagonista de A Mãe, a peça de Bertold Brecht que a Companhia de Teatro de Almada estreou no ano passado e que até dia 30 de Abril está em reposição no Teatro da Trindade, em Lisboa.

Teresa Gafeira é notável na composição de uma mulher que se auto-educa para salvar o filho dos revolucionários soviéticos e, através de tudo o que aprende por ele, se torna um líder à sua escala do Partido Comunista. É uma mulher vestida de negro que, no fim, empunhará uma bandeira vermelha, como se ela representasse todas as esperanças, uma resistência a todos os medos.

Este é o terceiro texto de Bertold Brecht que interpreta, depois de A Excepção e a Regra (1981, encenação de Peter Schroth e Peter Kleinert) e Mãe Coragem e os Seus Filhos (2000, encenação de Joaquim Benite) e é a terceira vez que regressa a ele, depois da estreia em 2010, em Almada e, mais tarde, a reposição no Teatro Nacional São João, no Porto.

A apresentação de A Mãe reveste-se de particular significado. Não só a sua reposição coincide com os 40 anos de carreira do seu encenador, Joaquim Benite, como foi no Teatro da Trindade que a Companhia de Teatro de Almada esteve em residência em 1977. Foi também aqui que a peça se estreou em Portugal, em Março de 1976, com encenação de Carlos Wallenstein, interpretação de Anna Paula, direcção musical de Olga Prats e a mesma tradução de Yvette K. Centeno e Teresa Balbé, agora usada pela Companhia de Teatro de Almada e, em 1977 pela Comuna - Teatro de Pesquisa, na encenação para a qual ficaram para a história da música as canções de José Mário Branco.

Teresa Gafeira diz que aprende todos os dias. "Há peças que fazemos que nos ensinam todos os dias. Estamos a dizer uma frase e descobrimos que é por aquela e não por outra razão que ela ali está. Há ligações que nos ajudam a perceber melhor o que fazemos. Repito o texto, e repito-o vezes sem conta, até perceber cada palavra, ando com ele o tempo todo e há sempre coisas que descubro."

Diz que não há outra forma de o fazer. Di-lo sem que o tenha aprendido na escola, ela que se fez actriz a aprender a sê-lo, espectáculo após espectáculo. Teresa Gafeira é actriz porque queria ter sido bailarina mas o pai não a deixara. E só se tornou actriz profissional porque, durante os ensaios de uma peça, no então Grupo de Campolide, já dirigido por Joaquim Benite, o ameaçou: "Se não nos tornamos profissionais, vou-me embora para fora. Vou fazer teatro no estrangeiro". Anos depois casar-se-ia com o director da companhia, entretanto transformada em Companhia de Teatro de Almada, e o modo como trabalhavam, em reuniões gerais onde tudo era votado, marcou o início do teatro independente em Portugal. É, hoje, o rosto principal da companhia, mesmo que não queira ver-se assim. "Eu não escolho nada. Hoje já não se vota como nas reuniões gerais que duravam horas. Dizem-me o que vou fazer e eu digo sim." Essa liberdade "é um alívio", confessa.

"Adoro papéis pequenos. Aprende-se imenso." O prazer não é menor, confia, se fizer um grande papel como este, onde está três horas em cena, ou um outro, em que só faz "uma pontinha". E recorda O Fazedor de Teatro, de Thomas Bernhard - "se pudesse, estava sempre a fazer as peças dele" -, onde o seu papel "se resumia" a brevíssimas intervenções. "Não podendo sair do camarim, porque se via do palco, encontrei uma forma de estar sempre atenta. Comecei a fazer malha e divertia-me imenso a ouvir o Morais e Castro. Quando entrava em cena, estava pronta." "Para fazer um texto, é preciso perceber o contexto no qual ele foi feito. É preciso estudar, é preciso seguir o que o encenador nos diz. Nós estamos ali para dizer aquilo, não para dizer outra coisa."

Quando, no fim, segura a bandeira vermelha, seja Pelagea Vlassova ou Teresa Gafeira quem a segura, o que vemos é a mesma rapariga que no 25 de Abril de 1974 disse que não tinha medo. Ainda que não soubesse o que lhe ia acontecer a seguir.