Não se conquistam alunos sem histórias com rosto
"Uma seca!" Esta é uma resposta recorrente quando se pergunta a alunos do ensino básico o que pensam da disciplina de História. Clara Serrano compreende-os. Por exemplo, a ela parece-lhe impossível "falar das conquistas do Império Romano, do domínio do Mediterrâneo e da submissão de Cartago sem mencionar as proezas do general Aníbal e a sua travessia dos Alpes" ou " esquecer os paralelismos que podem e devem ser estabelecidos com a actualidade. Como, por exemplo o problema nuclear com o qual o Japão ser debate com os bombardeamentos americanos de Hiroxima e Nagasáqui".
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"Uma seca!" Esta é uma resposta recorrente quando se pergunta a alunos do ensino básico o que pensam da disciplina de História. Clara Serrano compreende-os. Por exemplo, a ela parece-lhe impossível "falar das conquistas do Império Romano, do domínio do Mediterrâneo e da submissão de Cartago sem mencionar as proezas do general Aníbal e a sua travessia dos Alpes" ou " esquecer os paralelismos que podem e devem ser estabelecidos com a actualidade. Como, por exemplo o problema nuclear com o qual o Japão ser debate com os bombardeamentos americanos de Hiroxima e Nagasáqui".
Para este aparente deserto tem contribuído, segundo ela, não só a persistência, nos programas, de uma corrente que tem "tendência para privilegiar o económico, as massas e esquecer a história política, factual e o indivíduo", mas também a extensão daqueles. Raquel Henriques, presidente da Associação de Professores de História (APH) , lembra que os programas do 3º ciclo estão em vigor desde 1989-90, quando a disciplina tinha mais três horas semanais do que passou a ter desde as alterações curriculares que entraram em vigor em 2001.
A carga horária foi reduzida, mas os programas mantiveram-se inalteráveis. Por isso, afirma, torna-se necessário adaptar os conteúdos programáticos ao tempo disponível.
Tinha-se previsto que os professores tivessem formação para desenvolverem este processo, mas isso que não aconteceu. Pelo contrário, denuncia Raquel Henriques, que é docente do ensino básico e também lecciona na Universidade Nova Lisboa, pressiona-se os professores para que "cumpram os programas na íntegra, privilegiando os conteúdos em detrimento das aprendizagens" e o que resulta deste processo é que "o trabalho colaborativo e construtivo com os alunos fica muitas vezes relegado para segundo plano".
Com um máximo de duas horas semanais "não há lugar para grandes desenvolvimentos", constata Luís Alves, da Universidade do Porto. Nem nas aulas, nem nos manuais que, acrescenta, "respeitam o tempo lectivo que os professores dispõem para esta disciplina". Sem tempo para análise de documentos, para o trabalho de grupo, para a pesquisa, a "essencialidade" tornou-se "um elemento fulcral", só que, admite, quando se vai "para a essencialidade, vai-se para a parte mais desagradável - a factualidade dos acontecimentos".
Para Isabel Barca, do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho, "seria útil repensar a selecção de conteúdos programáticos, tendo em conta uma melhor articulação entre ciclos e optar claramente pelo reconhecimento de algumas áreas temáticas que pudessem ser escolhidas em cada escola". Deste modo, acrescenta, "poder-se-ia explorar melhor, por exemplo, a história local e regional ou outras ópticas da investigação histórica (biografias, vida privada, alimentação, etc.)".
São abordagens que "contribuem para "conquistar os alunos" e que já se praticam em Portugal, embora ainda em bolsas restritas", acrescenta.
Mas a "principal chave de sucesso" para ganhar os alunos passa por uma "formação actualizada" dos docentes que deixe para trás planificações e modelos de aulas ultrapassado, defende Isabel Barca, que se doutorou em ensino da História. Uma formação, acrescenta, que estimule os professores a aplicar o conhecimento "para dar sentido ao mundo e ler os implícitos das mensagens contraditórias desta sociedade de informação", a levar os alunos a participar "activamente na interpretação de fontes com mensagens diferentes" e a que "aprendam a narrar a sua "ideia de Histórias, em moldes válidos, mas pessoais". Segundo a investigadora, em Portugal "esta proposta está já a ganhar terreno".
Já a presidente da APH não se mostra optimista. Desde 2007, podem candidatar-se aos novos mestrados em ensino em História e Geografia candidatos que venham de qualquer outra área científica. Ou seja, os professores de História e de Geografia que leccionarão os alunos do 7º ao 12º ano terão uma formação de base que pode não ser em nenhuma destas duas disciplinas. "O que se lhes vai solicitar daqui uns anos? E o que vai acontecer à História e à Geografia?", questiona Raquel Henriques. A conclusão, para ela, é óbvia: "A menorização destas áreas científicas e disciplinares tem sido progressiva, mas implacável. E isso está a reflectir-se e vai reflectir-se no trabalho desenvolvido nas escolas com os alunos."