Roger Waters volta a derrubar o muro
Quando The Wall foi gravado, os Pink Floyd estavam entrincheirados nos seus egos, distantes uns dos outros e em luta para conseguir completar um ambicioso álbum duplo que os salvasse do descalabro financeiro. Quando The Wall foi gravado, em 1979, já era visto como projecto pessoal de Roger Waters, obra conceptual, no limite da autobiografia, em que o baixista encarnava Pink, a estrela rock que crescera oprimida pela família e pelos símbolos de poder até se transformar em ídolo megalómano e paranóico, com tiques fascizantes.
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Quando The Wall foi gravado, os Pink Floyd estavam entrincheirados nos seus egos, distantes uns dos outros e em luta para conseguir completar um ambicioso álbum duplo que os salvasse do descalabro financeiro. Quando The Wall foi gravado, em 1979, já era visto como projecto pessoal de Roger Waters, obra conceptual, no limite da autobiografia, em que o baixista encarnava Pink, a estrela rock que crescera oprimida pela família e pelos símbolos de poder até se transformar em ídolo megalómano e paranóico, com tiques fascizantes.
Quem viu as apresentações de The Wall em 1980 e 1981 não sabia das lutas de bastidores, do despedimento do teclista Rick Wright a meio das gravações (regressou para a digressão, humilhado, como músico contratado), não sabia que aquele álbum que dividiu opiniões entre os que elogiavam o alcance do conceito e os que viam nele a representação máxima de um balofo pretensiosismo, se transformaria num dos mais emblemáticos álbuns dos Pink Floyd, marcando, ao mesmo tempo, o ocaso da banda. Não sabia porque aquilo que via era outra coisa. Era aquilo que, esta noite e amanhã, o público português verá no Pavilhão Atlântico. O mesmo que, no ano passado, o público americano viu na digressão que, depois de Portugal, viajará Europa fora.
The Wall Live: um muro de 73 metros de comprimento e dez de altura, as mais diversas projecções vídeo, o melhor som que a tecnologia pode oferecer e as famosas figuras insufláveis - o professor longilíneo, o porco ameaçador, os martelos a marchar. E, claro, as canções do álbum, de In the flesh? a Another brick in the wall, de Hey you a Comfortably numb - com intervalo no momento em que, no alinhamento do álbum duplo, se esgota o primeiro disco.
Roger Waters liderou os Pink Floyd nos 31 concertos em que The Wall foi apresentado originalmente - era, dizia, o seu grito de revolta perante a morte do pai na invasão aliada à Itália na Segunda Guerra Mundial, a superprotecção da mãe e o autoritarismo dos professores. Era o seu grito de revolta perante a alienação a que o estrelato o votara. Quando recuperou The Wall em 1990, meses depois da queda do Muro de Berlim, fê-lo a solo, num concerto entre a Praça de Potsdam e os Portões de Brandemburgo visto por 250 mil pessoas no local e milhões via televisão. O simbolismo era evidente.
Vinte anos depois, Roger Waters fez nova investida. Segundo explicou em comunicado, regressou a The Wall porque os seus medos pessoais de há 30 anos resultaram numa obra que funciona como "alegoria" para conceitos como o "nacionalismo, racismo, sexismo, religião". Waters dedica os concertos "a todos os inocentes mortos nos anos que se passaram". No Pavilhão Atlântico, para além das canções que, escrevia o New York Times em crítica a um concerto no Madison Square Garden, em Outubro passado, soam exactamente ao que ouvimos no álbum (acrescidas apenas de uns quantos solos de guitarra), veremos uma projecção vídeo durante Goodbye blue sky de um bombardeamento de símbolos religiosos, monetários ou empresariais. Caem crucifixos, crescentes islâmicos, logótipos da Shell e da Mercedes, dólares ou estrelas de David. A justaposição da Estrela de David ao símbolo do dólar causou escândalo nos Estados Unidos, quando Abe Foxman, presidente da Anti-Defamation League, instituição que luta contra o anti-semitismo, acusou Waters de propagar o velho preconceito da obsessão judaica com o dinheiro. Waters, que inscreveu We don"t need no thought control, frase de Another brick in the wall, no polémico muro erguido por Israel na Cisjordânia, defende o boicote artístico a Israel, estabelecendo um paralelismo entre o que se vive hoje no território e a África do Sul do apartheid. Em Outubro de 2010 repudiou, em declarações ao Independent, as acusações de anti-semitismo: "Podemos atacar a política de Israel não sendo anti-semitas. [Fazer essa associação] seria o mesmo que dizer que se criticarmos a política dos EUA somos anticristãos." Quanto ao vídeo da polémica, defendeu a escolha dos símbolos por serem representativos "de interesses religiosos, nacionais e comerciais": "Todos temos uma influência maligna nas nossas vidas que nos impede de nos tratarmos uns aos outros de forma decente."
Roger Waters crê que The Wall pode servir para despertar consciências trinta anos depois do seu lançamento. Mas não será a polémica - que, de certa forma, nem o chegou a ser, chamemos-lhe um fait-divers - a fazê-lo.
The Wall, assinada pelos Pink Floyd, obra reclamada desde sempre pelo seu autor, Roger Waters, tornou-se pelo seu sucesso e longevidade geracional num marco da cultura pop. As duas datas esgotadas no pavilhão devem-se, mais que tudo o resto, a esse peso histórico.