Tribunal dá razão ao fisco e considera que o grupo Jerónimo Martins tentou fugir ao IRC
O Tribunal Central Administrativo Sul considerou que um conjunto de empréstimos realizados entre empresas do grupo tiveram um único fito - transformar juros tributáveis em 65 milhões de euros de dividendos isentos de imposto, contribuindo para 113,3 milhões de prejuízos fiscais.
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O Tribunal Central Administrativo Sul considerou que um conjunto de empréstimos realizados entre empresas do grupo tiveram um único fito - transformar juros tributáveis em 65 milhões de euros de dividendos isentos de imposto, contribuindo para 113,3 milhões de prejuízos fiscais.
O acórdão n.º 4255/10 descasca uma série de operações realizadas no universo de empresas do grupo, algumas delas com sede em offshores, sem "quaisquer meios físicos para a prossecução do seu objecto social".
O fisco considerou ser um esquema que se encaixa nas normas antiabuso fiscal, criadas na lei geral tributária portuguesa em 2000 (artigo 38º), e que visa anular "actos ou negócios" criados por "meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das normas jurídicas", com o fim principal de reduzir os impostos a pagar.
O despacho do director-geral dos Impostos data de 16 de Agosto de 2004 e as liquidações de imposto seguiram. Mas a Recheio SGPS recorreu do despacho. Alegou que o prazo já caducara e que a cláusula antiabuso não podia ser usada. Depois, impugnou a liquidação de 20,88 milhões.
O processo correu pelos tribunais quase sete anos e só a 15 de Fevereiro passado teve um desfecho, contrário ao grupo Jerónimo Martins - o tribunal autorizou o fisco a usar a cláusula antiabuso. O porta-voz do grupo minimiza o acórdão: "Limitou-se a decidir uma questão formal, [da qual o grupo não vai recorrer]." "A questão de fundo" - que, afirma-se, consiste em saber se houve planeamento fiscal agressivo - "continua por decidir, sendo objecto de processo de impugnação judicial ainda em curso", ou seja, o acórdão não significa a cobrança dos 20,88 milhões de euros. Mas fragiliza bastante a sua posição e torna improvável que o grupo não venha a pagar o IRC exigido.
O acórdão relata em pormenor as operações. A sociedade Recheio, SGPS - detida pela Jerónimo Martins SGPS e pela Servicompra, esta última detida pela Jerónimo Martins SGPS - fez transferências de capital para a sociedade PSQ - detida pela Jerónimo Martins SGPS. E a PSQ passou-os para Eurocash Holding BV, com sede na Holanda, detida pela Recheio SGPS. E transferências semelhantes ocorreram em 1996 e 1997.
Em 1997, a sociedade Hermes, com sede na Zona Franca da Madeira e detida pela Jerónimo Martins, fez empréstimos à sociedade TAND BV, com sede na Holanda e que incorporara em 1998 a sociedade Eurocash. A Hermes cedeu à PSQ a posição credora sobre a TAND BV e a Recheio SGPS transferiu para a PSQ 115,6 milhões de euros como capital, logo transferidos para a Hermes. A Recheio SGPS transferiu para a PSQ mais 199,5 milhões de euros, logo passados para a Mont Blanc, no paraíso fiscal de Channel Islands, sob a forma de empréstimo. E em 2000, verificaram-se transferências de 73,9 milhões de euros da Recheio SGPS para a PSQ que os transferiu para a TAND BV.
Estes movimentos geraram lucros e dividendos. O tribunal concluiu que a PSQ "teve um único, claro e inequívoco objectivo que consistiu na eliminação da carga fiscal sobre os respectivos juros, a qual se traduziu na esfera da Recheio SGPS numa redução significativa da base colectável a tributar". No total, foram 65,8 milhões de euros de dividendos vindos da PSQ de 2000 a 2002 que a Recheio SGPS contribuindo para 113,3 milhões de prejuízos fiscais.
Alexandre Soares dos Santos, que controla a JM, é o segundo homem mais rico de Portugal (1,7 mil milhões de euros, segundo a revista Forbes). Tem assumido posições públicas em favor da ética política e empresarial.