BESphoto abriu-se este ano ao resto do mundo lusófono

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Mauro Restiffe, Brasil,1970

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Mauro Restiffe, Brasil,1970

Há uma nostalgia na forma como Mauro Restiffe olha o mundo. Como se procurasse um tempo já desaparecido. É assim na imagem de Acapulco, um casal mais próximo de nós, ao fundo a montanha, as luzes. “Esta imagem é de hoje, mas podia ser dos anos 60”, diz. Usa a fotografia analógica precisamente para dar às imagens essa carga do tempo, e há, por isso, uma mesma densidade numa imagem do Porto, junto ao rio, como numa outra também de Acapulco, em que um grupo de pessoas olha uma montanha no cimo da qual os jovens mergulhadores se preparam para saltar.

Essa reflexão sobre o papel do fotógrafo e da imagem analógica começou, para Mauro, depois de ter fotografado dois momentos históricos: as tomadas de posse dos Presidentes Lula da Silva e Barack Obama. “Pensei na condição actual da fotografia analógica ao retratar esses eventos e no quanto a utilização deste processo nas actuais conjunturas altera a percepção de tais eventos, dando-lhes, em parte, esta carga histórica atemporal”, afirma num texto de apresentação.

Ao BESphoto, para além das imagens de Acapulco e do Porto, Mauro traz a série Tlatelolco, que fez em 2010 na Cidade do México, na Plaza de las Tres Culturas, ou Plaza Tlatelolco. É uma espécie de travelling – há muito esse olhar cinematográfico no seu trabalho, o travelling, o campo/contracampo – pela praça onde coexistem marcas arquitectónicas de três períodos históricos, a época pré-hispânica, a hispânica e o México moderno. O nosso olhar, ao entrar na exposição, acompanha o do fotógrafo quando começou a percorrer a praça e a descobrir essas marcas dos vários tempos ali gravados em pedra. “Há o sítio arqueológico asteca, depois a colonização espanhola com a catedral, construída com as pedras dos templos que ali estavam antes, e por fim o complexo modernista dos anos 60.” Do México há ainda uma última foto – um pequeno lago na casa-museu do arquitecto Luis Barragán. “É um espelho de água, com flores reflectidas, um pouco mórbido mas reflexivo.” Imagens que querem “pensar a história como paisagem”.

Kiluanji Kia Henda, Angola,1979

“Há dias em que deixo o coração em casa”, disse-lhe o polícia que lhe apontava uma arma à cabeça. É nesses momentos que uma série de imagens desfilam pela nossa cabeça. E foi daí – de um “estado de hipermnésia”, algo como uma muito forte memória do passado – que nasceu a série de imagens que Kiluanji reuniu para o BESphoto. “Fui recolhendo imagens que nunca tinha exibido antes, todas transportando algo controverso e global.”

Como o Nuclear Barbecue, imagem encenada de um casal de veraneantes, cadeira de encosto e chapéu-de-sol cor de laranja, vasos com flores, geleira, e um barbecue com a mesma forma das torres da central nuclear que se vê ao fundo. “O projecto foi feito na Cidade do Cabo, junto à única central nuclear em África. A ideia é que naquela grelha podia estar a nossa carne.”

O trabalho de Kiluanji é político. Um homem a lavar-se com sangue dentro de uma banheira, em Falsos Rituais, junto a um muro de cimento e com uma caveira de animal por cima é uma imagem “muito ligada à história de Angola”. As fotos tiradas na Lunda Sul vêm de uma vontade de conhecer um dos locais de Angola “com uma cultura mais rica”, mas onde a guerra foi mais intensa e onde Kiluanji perdeu um irmão. A imagem de um manequim no deserto é uma referência à invasão do Iraque pelos Estados Unidos. “Para mim é muito importante mostrar que o que acontece num sítio longínquo está ligado a estratégias globais.”

No caso de Angola, este fotógrafo autodidacta – que já apresentou o seu trabalho na Bienal de Veneza (em 2007, inserido na colectiva Check List Luanda Pop) e na de São Paulo (2010, com o projecto Icarus 13) e que já participou numa residência artística em Lisboa, na Associação Zé dos Bois – acha que o país está demasiado agarrado aos problemas do presente. “Durante a guerra pensámos muito pouco sobre a nossa própria história e hoje esse é um dos grandes problemas em África.” Estamos em frente à imagem de uma mina de ferro abandonada e Kiluanji conclui: “Tudo isto transporta uma história e é importante reflectir sobre isso.”

Carlos Lobo, Portugal,1974

O que é que a guerra deixa numa cidade? Carlos Lobo – vencedor do prémio BES Revelação em 2005 – foi a Beirute à procura das marcas gravadas nos edifícios, nos carros, nas ruas. Foi depois de ter visto o filme Je Veux Voir, em que Joana Hadjithomas e Khalil Joreige filmavam o Líbano, que decidiu ir. “Eu também queria ver.” E o que fotografa podem ser edifícios esventrados e semidestruídos (alguns são os mesmos que Robert Frank e Gabriele Basilico fotografaram após o final da guerra), mas podem também ser umas banais traseiras de uns prédios, com carros estacionados. “A minha ideia é criar imagens que não sejam de leitura imediata, que possam ter um duplo sentido.”

Interessam-lhe as marcas do quotidiano banal numa cidade que é tudo menos banal, e em que os territórios continuam a ser claramente marcados – sentiuse, por exemplo, muito pouco à vontade a fotografar nos bairros do Hezbollah. Interessa-lhe a imagem de um carro abandonado pelas “possibilidades de narrativa que ela encerra”. Ou uma mão de homem segurando um cigarro, pousada elegantemente na janela de um carro.

Manuela Marques, Portugal, 1959

O que interessa a Manuela Marques são os indícios. Não quer usar a câmara para nos atirar ao rosto uma realidade. Quer, antes, fazer-nos adivinhar histórias que se escondem por trás de indícios. “Geralmente o meu trabalho é muito intimista. Por isso quis perceber como é que se poderia relacionar com uma cidade tão grande como São

Paulo.” O resultado é uma cidade adivinhada por detrás das folhas de árvores – numa imagem, jovens consumidores de crack surgem vistos ao longe e ligeiramente de cima, por entre a vegetação – ou através de um abraço entre duas pessoas cujos rostos não vemos. Noutra, há três sacos de plástico cheios, pendurados numa árvore.

Manuela – portuguesa a viver em Paris, onde tem exposto frequentemente o seu trabalho – explica que foi captada num parque onde vivem sem-abrigo. Um jogo entre o que se mostra e o que não se mostra que aparece também no vídeo com crianças das favelas a atirar bolas ao ar. Os rostos em grande plano, as bolas que cruzam a imagem transportam os meninos da rua de uma realidade dura para uma ficção. “Transformam-nos em mágicos brincando.”

Mário Macilau, Moçambique, 1984

Mário está deitado no chão do Museu Berardo, a cabeça apoiada na mochila, a ouvir música. Aos dez anos trabalhava num mercado lavando carros e ajudando a carregar compras e em 2007 iniciou a carreira de fotógrafo profissional depois de ter trocado o telemóvel da mãe por uma câmara fotográfica.

Nas paredes à nossa volta estão as imagens que fez com os zionistas, seguidores de uma religião tradicional moçambicana. “Eles acreditam em Deus, mas ainda com uma estrutura bíblica da antiguidade, com sacrifícios de animais e baptismos na água.”

Para ver os rituais dos zionistas (fotografados no trabalho Os Maziones, 2010) é preciso ir no dia certo à praia.

O segundo trabalho (Wood Work, 2010) são imagens a preto e branco de Makoko, um bairro de lata em Yaba, arredores de Lagos, Nigéria, onde as pessoas criaram um bairro com casas de madeira dentro do mar. Num país com petróleo há pessoas cujas vidas dependem apenas da madeira e da água.