Salvem o Chelsea Hotel
Se havia alguém para fazer um documentário sobre o Chelsea Hotel, lugar mítico da boémia nova-iorquina, Abel Ferrara seria sempre um candidato apropriado (até porque quase todos os outros já morreram). O problema é que, como todos os filmes que se façam hoje sobre a Nova Iorque boémia, é demasiado tarde para encontrar outra coisa se não ecos e memórias. Janis Joplin "giving head on an unmade bed" (como cantou Leonard Cohen em "Chelsea Hotel #2"), ou as "Chelsea Girls" de Andy Warhol: o Hotel Chelsea pode ser um monumento, mas, mais importante, já inspirou mais monumentos do que o mais monumental dos hoteis.
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Se havia alguém para fazer um documentário sobre o Chelsea Hotel, lugar mítico da boémia nova-iorquina, Abel Ferrara seria sempre um candidato apropriado (até porque quase todos os outros já morreram). O problema é que, como todos os filmes que se façam hoje sobre a Nova Iorque boémia, é demasiado tarde para encontrar outra coisa se não ecos e memórias. Janis Joplin "giving head on an unmade bed" (como cantou Leonard Cohen em "Chelsea Hotel #2"), ou as "Chelsea Girls" de Andy Warhol: o Hotel Chelsea pode ser um monumento, mas, mais importante, já inspirou mais monumentos do que o mais monumental dos hoteis.
Foi disto tudo, desta "ressonância", que Ferrara foi à procura. É um filme de histórias: Ferrara passeia a câmara pelo hotel e pelas imediações, mas o que quer mesmo é ouvir relatos e recordações. Dos que lá trabalham, dos que lá vivem, dos que lá viveram nalgum momento das suas vidas. Algumas celebridades (Dennis Hopper, ainda com óptimo aspecto, num depoimento muito curto; ou Milos Forman, em visita guiada) e sobretudo muita reminiscência. Mas esse é o busílis: nunca se vai ao fundo de nada, a certos episódios (a história de Sid Vicious e Nancy Spungen) é dado um relevo desmesurado, a utilização de imagens de época, por preguiça ou por impossibilidade de ir mais além, é pobre.
Na maior parte do tempo, Ferrara conversa com actuais moradores do hotel, artistas e "boémios" que não têm nada de interessante a contar (a não ser sobre eles próprios). E Ferrara também não tem nada de interessante para fazer com os depoimentos deles, filmando-os e montando-os no estilo mais casual que conseguiu. É Ferrara em modo "relax", para desenjoar da tensão nervosa que as suas ficções costumam ter.
Há uma coisa que talvez explique isto. "Chelsea Hotel" foi filmado numa altura em que os proprietários se preparavam para passar a gerência a uma empresa externa, receando-se que a nova gerência trouxesse alterações à identidade tradicional do hotel, nomeadamente subindo os preços ou deixando de permitir a permanência de hóspedes por prazos indefinidos. É um tema de várias conversas. E a intenção de Ferrara, no fundo, parece ser apenas esta: criar um pequeno instrumento de pressão, defender a preservação da "filosofia" do hotel como parte essencial da sua identidade. O que está. com certeza, muito bem. Mas o filme serve para pouco mais do que isso.