A violação usada como “arma de guerra” no Congo
Pela violação de cerca de 60 mulheres em Sud-Kivu, na República Democrática do Congo, nove militares foram condenados, no início deste ano, a penas entre dez a 20 anos de prisão efectiva. Esses militares foram considerados culpados da prática da violência sexual como “arma de guerra”.
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Pela violação de cerca de 60 mulheres em Sud-Kivu, na República Democrática do Congo, nove militares foram condenados, no início deste ano, a penas entre dez a 20 anos de prisão efectiva. Esses militares foram considerados culpados da prática da violência sexual como “arma de guerra”.
Apesar ser a primeira condenação por este tipo de crimes, o problema das violações cometidas por militares no Congo, não é de agora. E recentemente estendeu-se às zonas fronteiriças com Angola, vitimando mulheres angolanas, como confirmou no mês passado, em entrevista à “Voz da América”, a responsável das Nações Unidas para a prevenção da violência sexual em conflitos armados, Margot Wallström. Só em Janeiro registaram-se mais de 182 violações em aldeias de ambos os lados da fronteira entre Angola e o Congo, segundo esta responsável.
Uma missão das Nações Unidas registou a ocorrência de 1375 violações numa única aldeia, apenas num período de oito meses, por grupos de homens fardados. As vítimas são mulheres e raparigas expulsas de Angola para o Congo.
Esta questão que já foi abordada por Margot Wallström junto do presidente congolês Joseph Kabila será também debatida com as autoridades angolanas durante a deslocação desta responsável a Angola marcada para este mês.
Em Setembro do ano passado, o Conselho de Segurança da ONU já condenara a violação de mais de 500 mulheres por rebeldes hutus das Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDLR) e das milícias congolesas Mai-Mai em mais de uma dezena de aldeias da província de Kivu Norte. Entre as vítimas desta situação denunciada por organizações humanitárias, também se encontram crianças.
O falhanço da ONUA primeira vaga de violações de 242 mulheres e crianças, algumas com apenas sete anos, ocorreu entre o final de Julho e os primeiros dias de Agosto. Seguiram-se outros 260 casos de violência sexual contra os habitantes de províncias do Kivu Norte e Sul. Algumas mulheres foram violadas alternadamente por cinco ou seis homens, segundo relatou a representante da ONU para a prevenção da violência sexual em conflitos armados, Margot Wallström.
A 30 de Julho do ano passado, os rebeldes entraram em Luvungi, uma aldeia de 2160 habitantes do Kivu Norte, a cerca de 30 quilómetros de um campo das Nações Unidas. Os homens da aldeia fugiram ou foram presos, contou aos repórteres da AFP uma mulher que foi violada por quatro homens. E então grupos de dois a sete rebeldes forçaram a entrada nas casas de adobe e maltrataram e violaram as mulheres. Uma delas, de 30 anos, mãe de cinco filhos que foi violentada por dois homens, contou que só escaparam as mulheres que não se encontravam na aldeia naquele momento.
A incapacidade de os capacetes azuis conterem a onda de violações verificadas no Congo foi admitida pelo subsecretário-geral das Nações Unidas responsável pelas operações de manutenção de paz, Atul Khare, perante o Conselho de Segurança. “As nossas acções foram insuficientes, o que levou a brutalidades inaceitáveis”, disse, apelando a que os líderes da FDLR fossem punidos, no caso das violações se poderem provar.
A Amnistia Internacional apelou também às Nações Unidas e ao Governo do Congo para garantir apoio médico e psicológico urgente às vítimas de violência sexual, bem como às testemunhas.
O problema das violações das mulheres no Congo arrasta-se há vários anos. Um relato de 1994 refere a história de uma mulher, Angelique, cujo marido foi degolado pelos rebeldes que entraram na sua aldeia. Amarraram-na entre duas árvores com os braços e as pernas afastadas. Sete homens violaram-na até desmaiar. A seguir enfiaram galhos na sua vagina.
A condenação dos nove militares anunciada no início deste mês foi considerada “um passo importante na luta contra a impunidade” pelo comissário europeu para o Desenvolvimento, Andris Piebalgs. Este responsável assegurou que a Comissão Europeia “continuará a apoiar o Governo do Congo nos esforços para proteger a sua população e particularmente as mulheres, através de um conjunto de medidas para restabelecer a autoridade do Estado de Direito no território, prevenir as violências, sensibilizar a população para estes problemas e reformar os sectores da polícia e da justiça”.
A República Democrática do Congo já foi considerada pelas Nações Unidas como a capital mundial das violações usadas como arma de guerra. Em conjunto com a Suécia e a Bélgica, a Comissão Europeia lançará brevemente um programa avaliado em 18 milhões de euros para a “luta contra a impunidade e apoio às vítimas de violências sexuais”, anunciou Piebalgs, no final de Fevereiro, em Bruxelas.
Segundo o mesmo responsável, o problema vai ser também abordado com Navi Pillay, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos do Homem, de forma a estabelecer estratégias para acções comuns.
A jornalista viajou a convite da Comissão Europeia