E de repente Stanley Ho está fora de jogo

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A declaração de Stanley Ho na televisão, com a filha Florida e a terceira mulher Ina Chan ao lado Foto: Lam Yu San/Reuters

No átrio do Grand Lisboa está um busto de Stanley Ho que é diariamente enquadrado nas fotografias de milhares de turistas. O casino faz parte do império do magnata que nos últimos dias tem enchido jornais e televisões devido às disputas familiares pela sua fortuna. Naquele que é dos ícones da Macau dos neóns, novos e velhos que chegam da China Continental ou de Taiwan apontam, sorriem, muitos fazem com os dedos o famoso "V" das fotografias chinesas. Todos sabem qualquer coisa sobre a recente novela que tem um elenco invejável: quatro famílias, três mulheres, 16 filhos e muitos cifrões por repartir.

Soube-se na semana passada que Stanley Ho perdera (ou entregara) o controlo da Lanceford (ver infografia), a empresa familiar através da qual tem gerido a sua fortuna - assente na Sociedade de Jogos de Macau (SJM), operadora de jogo avaliada em dez mil milhões de dólares e que detém mais de um terço do mercado local.

A Lanceford controla 31,6 por cento da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) que, por sua vez, detém 55,7 por cento da SJM. Ho, que tinha 100 por cento das acções, ficou com apenas 0,02 por cento. O alegado golpe terá sido dado pela sua terceira mulher, Ina Chan, e por Pansy, Daisy, Maisy, Lawrance e Josie, os cinco filhos da relação com a segunda companheira, Lucina Ho. Juntos controlam agora 99,98 por cento da Lanceford.

A revelação desencadeou uma série de acontecimentos que não passaram ao lado dos jogadores que diariamente contribuem para que esta região administrativa especial da China bata sucessivos recordes nos casinos: fechou 2010 com receitas brutas de 189,6 mil milhões de patacas (18,9 mil milhões de euros).

O primeiro a pronunciar-se foi o advogado de Ho, Gordon Oldham. "Isto é um roubo, é apropriação fraudulenta", disse sobre a manobra familiar. "Stanley Ho acredita que a sua parti- cipação na Lanceford, que controla o grosso dos seus bens, foi alvo de transferências de títulos operadas pelas suas segunda e terceira famílias", explicou Oldham. "Tal teve como efeito a redução dos seus bens para praticamente nada, na realidade nada, e mais uma vez sem o seu conhecimento, sem o seu consentimento e certamente contra os seus desejos", reiterou à imprensa.

Ainda o povo tentava perceber quem estava afinal a tramar Stanley Ho e já o 13.º homem mais rico de Hong Kong, de acordo com a Forbes, aparecia na TVB, uma estação de televisão local, ao lado da terceira mulher e de uma das filhas, Florinda Ho. O milionário, debilitado fisicamente desde que em Julho de 2009 caiu e teve ser operado ao cérebro, leu de um placard uma declaração em que afiançou estar tudo bem.

Na televisão

"A controvérsia deixou-me muito infeliz, bem como à minha família. A declaração que emiti há dois dias resolveu todas as disputas. Agradeço o apoio de Gordon, mas não preciso dele, porque o grande problema já foi resolvido, e isso faz com que a minha família esteja feliz. Não desejo outras mudanças", afirmou Stanley Ho. Seguiu ainda para as redacções uma carta, assinada pelo empresário e por Ina Chan, em que se reforçava que tudo acontecera com o consentimento do patriarca.

Os seguidores da novela desconfiaram então que o vilão pudesse ser Gordon Oldham, o causídico. "Não damos grande importância a uma nota de imprensa emitida à meia-noite por uma terceira amante que tem um interesse de mil milhões de dólares nisto", replicou Oldham. "Os negócios são assim. Temos instruções de Stanley Ho e estamos a cumpri-las", disse o advogado ainda na quarta-feira. As instruções seriam o avanço para tribunal.

O dia seguinte chegou com a confirmação da interposição por parte de Stanley Ho de uma acção judicial em Hong Kong, em que acusa os cinco filhos e as duas mulheres de se terem apropriado indevidamente da Lanceford. A queixa visa ainda o banqueiro Huen Wing-ming (um dos administradores da Lanceford) e três empresas envolvidas na transferência de títulos.

"Ele já disse que foi pressionado a fazer essa declaração", referiu Oldham sobre a aparição televisiva do magnata. "O dr. Ho continua a dizer que está muito desgostoso por, no fim da sua vida, duas das quatro famílias estarem a disputar os seus bens, terem-lhos tirado." O advogado explicou ainda que Stanley Ho não desmente ter assinado algum documento, mas defende que "não lhe explicaram quais os efeitos que teria. Sem dúvida alguma que nunca assinaria um documento com estes propósitos".

Família macaense omitida

É preciso inverter o ditado que explica o que acontece em casa onde não há pão. O clã Ho tem massa de sobra, mas também muitos descendentes a quererem assegurar a sua fatia. Stanley Ho, com 89 anos, teve quatro mulheres e 17 filhos. A primeira, a macaense Clementina Leitão, única com quem de facto casou, já morreu. Robert, um dos filhos dessa relação, também. Restam Jane, Deborah e Angela.

Angela Ho foi a única a pronunciar-se desta família que parece esquecida na azafamada divisão da fortuna. Enquanto outros se ocupavam de acções, milhões e advogados, escreveu uma carta em que falou da infância com a mãe de ascendência portuguesa e do pai, em que afirmava que "as declarações e atitudes feitas e tomadas pelas suas amantes e os seus filhos, que não estão em conformidade com a vontade dele, são altamente desconcertantes e ofensivas". E convidou os jornalistas para um encontro numa das casas do velho Ho.

Na quinta-feira, o dia em que se confirmava em Hong Kong a queixa apresentada em tribunal por Stanley Ho, um batalhão de jornalistas concentrava-se junto à casa da família, na Penha, uma das zonas nobres de Macau. A maioria, incluindo repórteres da Bloomberg, ficou à porta. Lá dentro, só a imprensa em língua portuguesa do território e uns quantos jornalistas de outras origens.

Angela Ho tinha numa reunião e estava atrasada. Foi o marido, ocidental, a receber-nos. Lá dentro, os motivos chineses cruzavam-se com reminiscências portuguesas, como uma caravela com a Cruz de Cristo que repousava num dos armários ou o vinho tinto Castro Velho que foi servido.

A anfitriã prometera falar sobre o que se estava a passar e também recordar o papel decisivo da mãe, Clementina Leitão, na ascensão de Stanley Ho, homem que ainda jovem trocou Hong Kong por Macau sem ponta de fortuna. "As relações que a minha mãe tinha em Portugal e a posição que ocupava na sociedade de Macau constituíram um grande factor para o meu pai ter ganho o monopólio do jogo em 1961. Ele nunca se esqueceu da sua importância na criação do império a que hoje preside", já escrevera na missiva enviada às redacções.

Como Angela Ho tardava, houve tempo para conhecer as únicas duas netas de Stanley Ho - uma delas casada com um norte-americano e a viver no Havai - e para ver as fotografias afi- xadas em que Ho aparece ao lado de figuras como Vasco Rocha Vieira, último governador de Macau, ou Edmund Ho, primeiro líder do executivo local após a passagem de administração de Portugal para a China. Lá fora, faziam-se directos televisivos em que era mencionada uma "reunião secreta" com ocidentais.

A reunião foi tão secreta que não chegou a acontecer. Mais de duas horas depois, quando se esperava finalmente a chegada de Angela Ho, foi-nos comunicado que tivera um ataque de asma e não poderia falar. À saída, a imprensa fotografava a imprensa, convencida de que algo mais se passava.

A história é rocambolesca e adequa-se à grande família construída por Stanley Ho, que sempre assumiu publicamente as suas várias mulheres. A Clementina Leitão seguiu-se Lucina Ho, com quem teve uma mão cheia de filhos - os tais cinco da discórdia, quase todos envolvidos no sector do jogo de Macau. Josie Ho, actriz e cineasta independente que tem uma produtora em Hong Kong, foi a que sempre esteve longe dos casinos.

A então enfermeira Ina Chan tornou-se na terceira companheira de Stanley Ho, mãe de Laurinda, Florinda e Orlando. Sempre esteve - e agora ainda parece estar mais - próxima dos negócios do milionário.

A fechar, aparece Angela Leong, antiga professora de dança que já deu cinco descendentes ao magnata e hoje é nada mais que deputada à Assembleia Legislativa de Macau. Leong também beneficiou recentemente dos ajustes no império Ho, tornando-se administradora-delegada da SJM, cargo antes ocupado por Stanley. Em Dezembro recebeu sete por cento das acções da operadora de jogo. Só que, neste caso, Stanley deu e não quis voltar atrás.

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No átrio do Grand Lisboa está um busto de Stanley Ho que é diariamente enquadrado nas fotografias de milhares de turistas. O casino faz parte do império do magnata que nos últimos dias tem enchido jornais e televisões devido às disputas familiares pela sua fortuna. Naquele que é dos ícones da Macau dos neóns, novos e velhos que chegam da China Continental ou de Taiwan apontam, sorriem, muitos fazem com os dedos o famoso "V" das fotografias chinesas. Todos sabem qualquer coisa sobre a recente novela que tem um elenco invejável: quatro famílias, três mulheres, 16 filhos e muitos cifrões por repartir.

Soube-se na semana passada que Stanley Ho perdera (ou entregara) o controlo da Lanceford (ver infografia), a empresa familiar através da qual tem gerido a sua fortuna - assente na Sociedade de Jogos de Macau (SJM), operadora de jogo avaliada em dez mil milhões de dólares e que detém mais de um terço do mercado local.

A Lanceford controla 31,6 por cento da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) que, por sua vez, detém 55,7 por cento da SJM. Ho, que tinha 100 por cento das acções, ficou com apenas 0,02 por cento. O alegado golpe terá sido dado pela sua terceira mulher, Ina Chan, e por Pansy, Daisy, Maisy, Lawrance e Josie, os cinco filhos da relação com a segunda companheira, Lucina Ho. Juntos controlam agora 99,98 por cento da Lanceford.

A revelação desencadeou uma série de acontecimentos que não passaram ao lado dos jogadores que diariamente contribuem para que esta região administrativa especial da China bata sucessivos recordes nos casinos: fechou 2010 com receitas brutas de 189,6 mil milhões de patacas (18,9 mil milhões de euros).

O primeiro a pronunciar-se foi o advogado de Ho, Gordon Oldham. "Isto é um roubo, é apropriação fraudulenta", disse sobre a manobra familiar. "Stanley Ho acredita que a sua parti- cipação na Lanceford, que controla o grosso dos seus bens, foi alvo de transferências de títulos operadas pelas suas segunda e terceira famílias", explicou Oldham. "Tal teve como efeito a redução dos seus bens para praticamente nada, na realidade nada, e mais uma vez sem o seu conhecimento, sem o seu consentimento e certamente contra os seus desejos", reiterou à imprensa.

Ainda o povo tentava perceber quem estava afinal a tramar Stanley Ho e já o 13.º homem mais rico de Hong Kong, de acordo com a Forbes, aparecia na TVB, uma estação de televisão local, ao lado da terceira mulher e de uma das filhas, Florinda Ho. O milionário, debilitado fisicamente desde que em Julho de 2009 caiu e teve ser operado ao cérebro, leu de um placard uma declaração em que afiançou estar tudo bem.

Na televisão

"A controvérsia deixou-me muito infeliz, bem como à minha família. A declaração que emiti há dois dias resolveu todas as disputas. Agradeço o apoio de Gordon, mas não preciso dele, porque o grande problema já foi resolvido, e isso faz com que a minha família esteja feliz. Não desejo outras mudanças", afirmou Stanley Ho. Seguiu ainda para as redacções uma carta, assinada pelo empresário e por Ina Chan, em que se reforçava que tudo acontecera com o consentimento do patriarca.

Os seguidores da novela desconfiaram então que o vilão pudesse ser Gordon Oldham, o causídico. "Não damos grande importância a uma nota de imprensa emitida à meia-noite por uma terceira amante que tem um interesse de mil milhões de dólares nisto", replicou Oldham. "Os negócios são assim. Temos instruções de Stanley Ho e estamos a cumpri-las", disse o advogado ainda na quarta-feira. As instruções seriam o avanço para tribunal.

O dia seguinte chegou com a confirmação da interposição por parte de Stanley Ho de uma acção judicial em Hong Kong, em que acusa os cinco filhos e as duas mulheres de se terem apropriado indevidamente da Lanceford. A queixa visa ainda o banqueiro Huen Wing-ming (um dos administradores da Lanceford) e três empresas envolvidas na transferência de títulos.

"Ele já disse que foi pressionado a fazer essa declaração", referiu Oldham sobre a aparição televisiva do magnata. "O dr. Ho continua a dizer que está muito desgostoso por, no fim da sua vida, duas das quatro famílias estarem a disputar os seus bens, terem-lhos tirado." O advogado explicou ainda que Stanley Ho não desmente ter assinado algum documento, mas defende que "não lhe explicaram quais os efeitos que teria. Sem dúvida alguma que nunca assinaria um documento com estes propósitos".

Família macaense omitida

É preciso inverter o ditado que explica o que acontece em casa onde não há pão. O clã Ho tem massa de sobra, mas também muitos descendentes a quererem assegurar a sua fatia. Stanley Ho, com 89 anos, teve quatro mulheres e 17 filhos. A primeira, a macaense Clementina Leitão, única com quem de facto casou, já morreu. Robert, um dos filhos dessa relação, também. Restam Jane, Deborah e Angela.

Angela Ho foi a única a pronunciar-se desta família que parece esquecida na azafamada divisão da fortuna. Enquanto outros se ocupavam de acções, milhões e advogados, escreveu uma carta em que falou da infância com a mãe de ascendência portuguesa e do pai, em que afirmava que "as declarações e atitudes feitas e tomadas pelas suas amantes e os seus filhos, que não estão em conformidade com a vontade dele, são altamente desconcertantes e ofensivas". E convidou os jornalistas para um encontro numa das casas do velho Ho.

Na quinta-feira, o dia em que se confirmava em Hong Kong a queixa apresentada em tribunal por Stanley Ho, um batalhão de jornalistas concentrava-se junto à casa da família, na Penha, uma das zonas nobres de Macau. A maioria, incluindo repórteres da Bloomberg, ficou à porta. Lá dentro, só a imprensa em língua portuguesa do território e uns quantos jornalistas de outras origens.

Angela Ho tinha numa reunião e estava atrasada. Foi o marido, ocidental, a receber-nos. Lá dentro, os motivos chineses cruzavam-se com reminiscências portuguesas, como uma caravela com a Cruz de Cristo que repousava num dos armários ou o vinho tinto Castro Velho que foi servido.

A anfitriã prometera falar sobre o que se estava a passar e também recordar o papel decisivo da mãe, Clementina Leitão, na ascensão de Stanley Ho, homem que ainda jovem trocou Hong Kong por Macau sem ponta de fortuna. "As relações que a minha mãe tinha em Portugal e a posição que ocupava na sociedade de Macau constituíram um grande factor para o meu pai ter ganho o monopólio do jogo em 1961. Ele nunca se esqueceu da sua importância na criação do império a que hoje preside", já escrevera na missiva enviada às redacções.

Como Angela Ho tardava, houve tempo para conhecer as únicas duas netas de Stanley Ho - uma delas casada com um norte-americano e a viver no Havai - e para ver as fotografias afi- xadas em que Ho aparece ao lado de figuras como Vasco Rocha Vieira, último governador de Macau, ou Edmund Ho, primeiro líder do executivo local após a passagem de administração de Portugal para a China. Lá fora, faziam-se directos televisivos em que era mencionada uma "reunião secreta" com ocidentais.

A reunião foi tão secreta que não chegou a acontecer. Mais de duas horas depois, quando se esperava finalmente a chegada de Angela Ho, foi-nos comunicado que tivera um ataque de asma e não poderia falar. À saída, a imprensa fotografava a imprensa, convencida de que algo mais se passava.

A história é rocambolesca e adequa-se à grande família construída por Stanley Ho, que sempre assumiu publicamente as suas várias mulheres. A Clementina Leitão seguiu-se Lucina Ho, com quem teve uma mão cheia de filhos - os tais cinco da discórdia, quase todos envolvidos no sector do jogo de Macau. Josie Ho, actriz e cineasta independente que tem uma produtora em Hong Kong, foi a que sempre esteve longe dos casinos.

A então enfermeira Ina Chan tornou-se na terceira companheira de Stanley Ho, mãe de Laurinda, Florinda e Orlando. Sempre esteve - e agora ainda parece estar mais - próxima dos negócios do milionário.

A fechar, aparece Angela Leong, antiga professora de dança que já deu cinco descendentes ao magnata e hoje é nada mais que deputada à Assembleia Legislativa de Macau. Leong também beneficiou recentemente dos ajustes no império Ho, tornando-se administradora-delegada da SJM, cargo antes ocupado por Stanley. Em Dezembro recebeu sete por cento das acções da operadora de jogo. Só que, neste caso, Stanley deu e não quis voltar atrás.