Já foram lidas todas as letras do genoma do orangotango
A sequenciação do genoma do parente mais afastado do homem entre os grandes símios — levada a cabo por cientistas de 34 instituições de vários países, incluindo os biólogos portugueses Rui Faria e Olga Fernando — chegou ao fim e amanhã, quinta-feira, é publicada a sua primeira análise na revista Nature.
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A sequenciação do genoma do parente mais afastado do homem entre os grandes símios — levada a cabo por cientistas de 34 instituições de vários países, incluindo os biólogos portugueses Rui Faria e Olga Fernando — chegou ao fim e amanhã, quinta-feira, é publicada a sua primeira análise na revista Nature.
Sequenciar um genoma significa ler as quatro letras do alfabeto genético ao longo da molécula de ADN. Essas letras — A, T, C, G — são, na realidade, pequenas moléculas dispostas na grande molécula de ADN, enrolada no núcleo de cada célula. Todo o livro da vida é escrito só com quatro letras, que comandam a produção das proteínas.
No caso de Susie, tratou-se de ler por completo os cerca de três mil milhões de pares de letras, um projecto liderado por Richard Wilson, da Universidade de Washington, em Saint Louis, nos Estados Unidos, que custou 20 milhões de dólares (14,6 milhões de euros). Tendo como referência a leitura do genoma deste representante dos orangotangos de Samatra (Pongo abelii), os cientistas partiram para o estudo menos pormenorizado do genoma de outros cinco orangotangos desta espécie e de cinco orangotangos do Bornéu (“Pongo pygmaeus”).
As espécies antepassadas dos orangotangos viveram por todo o Sudoeste da Ásia, mas os seus representantes actuais limitam-se às ilhas indonésias de Samatra e do Bornéu, cada uma albergando uma espécie distinta nas suas florestas tropicais. De facto, eles passam 95 por cento do tempo nas árvores: é aí que comem a sua fruta, que constroem os ninhos para dormir e quando se deslocam, geralmente muito devagar, fazem-no através das árvores.
Entre os resultados divulgados na Nature, a equipa revela que os orangotangos de Samatra e do Bornéu, ambos em risco de extinção, se tornaram espécies distintas há 400 mil anos, enquanto estudos anteriores estimavam que essa separação ocorrera há um milhão de anos.
Com o genoma dos orangotangos, poderá compreender-se melhor a árvore evolutiva dos humanos e dos grandes símios (chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos), que são os nossos parentes mais próximos.
Orangotangos e humanos (cuja sequenciação do genoma ficou concluída por completo em 2003) partilham 97 por cento do ADN, conclui a equipa. Com o genoma dos chimpanzés, lido em 2005, temos uma semelhança de 99 por cento, o que faz deles os nossos parentes mais chegados.
Diversidade genéticaPara os orangotangos, estes estudos podem revelar-se valiosos para a conservação das duas espécies. Na natureza, restam cerca de 7500 orangotangos de Samatra e 50.000 do Bornéu, o que leva a União Internacional para a Conservação da Natureza a classificá-los, respectivamente, como “criticamente em perigo” e “em perigo”. Se persistirem os factores que os ameaçam, como a degradação da floresta onde vivem, estima-se que daqui a 30 anos tenham desaparecido das florestas.
A análise do genoma dos orangotangos mostrou que estes nossos parentes de pêlo ruivo têm uma grande diversidade genética — um aspecto importante, pois aumenta a capacidade de se manterem saudáveis e se adaptarem ao ambiente, refere um comunicado de imprensa da Universidade de Washington. Foram catalogadas cerca de 13 milhões de variações do ADN dos orangotangos, o que pode ser usado para avaliar a diversidade genética das populações na natureza e em cativeiro e, com esses dados, traçar planos de conservação consoante a sua saúde genética.
“O orangotango médio tem mais diversidade, geneticamente falando, do que o humano médio”, frisa o principal autor do artigo, Devin Locke, da Universidade de Washington. “Encontrámos grande diversidade tanto nos orangotangos de Samatra como do Bornéu, mas não é claro que este nível de diversidade possa manter-se se a desflorestação continuar ao ritmo actual”, alerta.
“A observação de que a espécie que apresenta actualmente baixos efectivos populacionais ser aquela que tem maior variabilidade genética, e logo a que terá tido um maior efectivo histórico, levanta questões interessantes do ponto de vista evolutivo”, diz-nos por sua vez Rui Faria, de 33 anos, que participou no projecto enquanto estava com uma bolsa de pós-doutoramento na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, onde um grupo foi convidado em 2007 a entrar neste estudo. Rui Faria, que trabalha em formação das espécies, já voltou ao Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto. Olga Fernando, aluna de doutoramento do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, continua na Universidade Pompeu Fabra.
“Pode ser que a variabilidade genética ‘escondida’ nalgumas espécies que actualmente apresentam baixos efectivos seja suficiente para que possam resistir a pressões ambientais — se forem eliminadas a tempo e logo as espécies não continuarem em declínio — e se adaptarem a novos ambientes”, acrescenta Rui Faria, para quem a participação neste mega-projecto foi uma “experiência única” pela sua dimensão. “Ser investigador em biologia evolutiva numa altura em que começamos a desvendar os segredos dos códigos escondidos no genoma é extremamente motivante e sem paralelo no passado.”
Mas o resultado que mais surpreendeu a equipa tem a ver com a lentidão com que o genoma dos orangotangos evoluiu por comparação com o dos humanos e chimpanzés. “Em termos evolutivos, o genoma do orangotango é bastante especial entre os grandes símios, no sentido em que tem sido extraordinariamente estável nos últimos 15 milhões de anos [quando se separaram do ramo que depois deu origem aos gorilas, humanos, chimpanzés e bonobos]”, diz Richard Wilson. “Em comparação, o genoma de chimpanzés e humanos teve rearranjos em larga escala, o que pode ter acelerado a sua evolução.”
E agora desvende-se um pouco como são os orangotangos. De todos os os símios, são os menos sociáveis: a única unidade social estável é entre mãe e filhos, que ficam com a progenitora até por volta dos dez anos. Tal como nós, escolhem os amigos: de alguns indivíduos gostam, de outros nem tanto. E tal como nós, também têm o seu lado aparentemente negro: neste caso é a violação, algo muito banal entre eles, a ponto de contribuir para cerca de metade de todas as relações sexuais dos orangotangos.