À espera que um ET nos telefone
Por estranho que possa parecer, saber exactamente que diálogo deve ser encetado com os ET é matéria de estudo científico. A prova disso é que a revista Philosophical Transactions A da conceituada Royal Society britânica acaba de publicar uma edição inteiramente dedicada à "detecção de vida extraterrestre e as suas consequências para a ciência e a sociedade".
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Por estranho que possa parecer, saber exactamente que diálogo deve ser encetado com os ET é matéria de estudo científico. A prova disso é que a revista Philosophical Transactions A da conceituada Royal Society britânica acaba de publicar uma edição inteiramente dedicada à "detecção de vida extraterrestre e as suas consequências para a ciência e a sociedade".
No site daquela sociedade científica (rsta.royalsocietypublishing.org/content/369/1936.toc etoc), é possível ter acesso às conferências proferidas por uma constelação de especialistas de "astrobiologia" - vulgo, vida extraterrestre -, num encontro que decorreu em Londres há um ano. Nesse encontro, vários participantes apelaram a uma colaboração das Nações Unidas na definição dos protocolos a adoptar em caso de eventual contacto com uma espécie alienígena inteligente.
Dois meses depois daquele encontro, o célebre físico britânico Stephen Hawking (que não era um dos oradores) lançava, por seu lado, um surpreendente alerta num documentário realizado para o canal de televisão Discovery. Hawking, que acha muito razoável pensar que existe vida inteligente lá fora, dizia que, se algum extraterrestre inteligente quisesse comunicar connosco, o melhor seria ficarmos calados e não respondermos. Porque, se fossem alertadas para a nossa presença, forças alienígenas à procura de mundos habitáveis ou com recursos exploráveis poderiam desembarcar na Terra - com consequências tão nefastas para nós como foi para os índios a chegada à América dos conquistadores espanhóis em finais do século XV.
Mas será que as coisas são assim tão dramáticas? De facto, quando lemos os textos que foram agora postos online, este cenário de contacto físico fica relegado para um plano secundário, como algo de muito improvável - e talvez até impossível.
Uma coisa é certa, contudo: a existência de vida extraterrestre (não necessariamente inteligente) ganhou adeptos na comunidade científica na última década, em especial com a descoberta de planetas extra-solares - e, mais recentemente, com a constatação de que planetas rochosos parecidos com o nosso, em órbita em redor de estrelas parecidas com o nosso Sol, não são a excepção e, pelo contrário, serão mesmo bastante vulgares. A questão já não parece ser a de saber se estamos sozinhos ou não. É apenas uma questão de tempo, dizem muitos especialistas, até encontrarmos vida num desses planetas.
Há uns 50 anos, Frank Drake, fundador do SETI, calculou graças a uma fórmula matemática que leva o seu nome que deveriam existir umas 10 mil civilizações inteligentes no Universo. O SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence) é o famoso projecto de procura de vida extraterrestre inteligente, que chegou a ser um programa da agência espacial norte-americana NASA nos anos 1990, mas que é hoje gerido pelo SETI Institute, uma entidade privada com sede na Califórnia.
O número obtido por Drake poderá ser exagerado (de facto, ninguém sabe calculá-lo ao certo). Mesmo assim, como o Universo contém, segundo as estimativas, centenas de milhares de milhões de galáxias (e a nossa Via Láctea, por exemplo, até 400 mil milhões de estrelas), não há razão para o nosso sistema solar e o nosso planeta serem únicos.
Mas, para além dos argumentos puramente numéricos em favor da existência de outros cantinhos habitáveis, porque é que deveria necessariamente haver vida nos planetas parecidos com a Terra que sem dúvida orbitam em torno de algumas estrelas? E se, mesmo nesses, nada tivesse acontecido?
O belga Christian de Duve, Prémio Nobel da Medicina em 1974, tem enquanto bioquímico razões para pensar que a vida é "um imperativo cósmico" (expressão inventada por ele) e surge obrigatoriamente, dadas as condições certas. De Duve pensa que o mais provável é que surja em planetas parecidos com o nosso - e vai ainda mais longe, argumentando que também é um imperativo que a vida, quando surge em condições semelhantes à da Terra, seja ela própria parecida com a vida na Terra. Por diversas razões ligadas à química e à selecção natural, acredita que, "se a evolução acontecesse duas vezes, daria novamente o mesmo resultado".
Paul Davies, físico da Universidade do Arizona e um dos grandes nomes actuais da astrobiologia, pensa, por seu lado, que não é preciso encontrar vida num exoplaneta para pôr à prova a noção de imperativo cósmico. Bastaria descobrir aqui mesmo, no nosso planeta, uma "segunda génese", "uma biosfera-sombra a coexistir lado a lado e talvez a interpenetrar-se com a biosfera que conhecemos", explica no seu texto. A descoberta de formas de vida "estranhas" na Terra confirmaria a inevitabilidade da vida. Davies foi, aliás, um dos elementos da equipa que, em Dezembro passado, anunciou justamente ter descoberto a primeira forma de vida "estranha" - uma bactéria que se alimenta de arsénio. Mas, por enquanto, o resultado permanece controverso.
Davies também pensa que há vida lá fora - e que há mesmo vida inteligente: não é por acaso que ele é, desde 2008, o presidente do Grupo de Trabalho Pós-Detecção (Post-Detection Taskgroup) do SETI, uma espécie de "comité de recepção" formado por várias dezenas de especialistas de diversas áreas e cuja função é assumidamente preparar-se para o primeiro contacto com ET inteligentes.
Dos ET aos ETIOs restantes autores dos diversos textos agora publicados pela Royal Society também parecem concordar (ou, pelo menos, não discordar frontalmente) com a ideia da inevitabilidade da emergência de vida inteligente - de ETI, para abreviar -, ao longo da evolução das espécies extraterrestres. Mas nem todos são optimistas quanto ao desenlace de um nosso encontro com eles. Num registo algo semelhante ao de Hawking, Simon Conway Morris, paleontólogo da Universidade de Cambridge, dá ao seu artigo um título dramático: "Prever como serão os extraterrestres - e prepararmo-nos para o pior." É que, argumenta este especialista com bastante sentido de humor, não só a vida bacteriana será inevitavelmente parecida com a da Terra, mas a psicologia dos ETI será, ela também, do mesmo género que a dos seres humanos. Assim, o mais provável é que sejam tão conflituosos e gananciosos como nós. "Se existirem alienígenas inteligentes", escreve, "vão ser exactamente como nós e, dada a nossa história muito pouco gloriosa, isto deveria fazer-nos reflectir." E acaba assim: "O que é que preferem: vizinhos com uma cultura tipo astecas ou um silêncio gritante?"
Menos dramático é, por exemplo, Ted Peters, teólogo do Pacific Lutheran Theological Seminary, na Califórnia, que acha que "não é razoável prever que as principais tradições religiosas da Terra irão entrar em crise, e ainda menos entrar em colapso, se confirmarmos um encontro com uma inteligência extraterrestre". "Os teólogos tradicionais terão de se tornar astroteólogos. (...) Prevejo o seguinte: que o contacto com extraterrestres inteligentes irá expandir a visão religiosa actual", prossegue. Já Albert Harrison, psicólogo da Universidade da Califórnia, considera no seu artigo sobre as possíveis reacções dos seres humanos aos ET e aos ETI que, "embora seja fácil imaginar cenários assustadores, a detecção de vida microbiana no nosso sistema solar ou a recepção de transmissões microondas vindas de anos-luz de distância são mais susceptíveis de gerar equanimidade e deleite do que reacções adversas como o medo ou o pandemónio".
Harrison põe, de resto, o dedo no cerne da questão: o primeiro contacto com um ETI, a acontecer, terá provavelmente a forma de uma mensagem vinda de tão longe - e que terá portanto demorado tanto tempo a chegar até nós - que não apresentará perigo nenhum.
Mas essa insondável distância também tem um inconveniente: no fundo, torna a nossa comunicação com eventuais ETI muito difícil, por não dizer impossível. Imaginando que a civilização mais próxima se encontra a uns mil anos-luz da Terra, se eles tivessem a capacidade tecnológica suficiente para visualizar o que se passa à superfície do nosso planeta, as cenas que veriam teriam dez séculos de atraso. Seriam tão afastadas da nossa realidade actual, como se espreitássemos hoje para o nosso ano 1011. Da mesma forma, se nós recebêssemos um sinal de um ETI, a nossa resposta demoraria, à velocidade da luz, mil anos a chegar ao destinatário - cuja civilização poderia mesmo ter, entretanto, deixado de existir.
50 anos de silêncioHá 50 anos que o SETI começou a procurar ETI. Têm sido 50 anos de silêncio. Mas Paul Davies e o seu grupo não desistem de ser os porta-vozes interestelares da humanidade. Numa entrevista concedida há uns meses ao diário britânico Guardian, Davies interrogava-se sobre aquilo que iria dizer na mensagem de apresentação da nossa espécie, explicando que a tarefa era demasiado delicada para ser confiada aos políticos, aos religiosos ou aos militares. Nem as Nações Unidas escapavam ao seu sarcasmo: "Imagine irmos ter com a ONU e dizermos: "Há uma comunidade alienígena lá fora e temos de pensar no que lhes vamos dizer, por isso viemos ter convosco, que têm tanto jeito para encontrar soluções harmoniosas para os problemas do mundo." Seria a confusão absoluta", respondia Davies ao jornalista Jon Ronson.
Mas a situação poderá alterar-se em breve, se, tal como sugere no seu artigo Mazlan Othman, do Gabinete de Assuntos do Espaço (Outer Space Affairs) da ONU em Viena, forem desenvolvidos procedimentos para os Estados-membros poderem lidar com uma tal eventualidade. O grupo presidido por Davies no SETI, por seu lado, já encetou este caminho na sua Declaração de Princípios para a Procura de Inteligência Extraterrestre (Declaration of Principles Concerning the Conduct of the Search for Extraterrestrial Intelligence em www.setileague.org/iaaseti/protocols_rev2010.pdf). Na última versão do documento, que data de Setembro de 2010, lê-se que, em caso de detecção confirmada de ETI, "os signatários desta declaração não responderão sem antes procurar a orientação e o consentimento de uma entidade internacional largamente representativa, tal como as Nações Unidas".