A amiba e a bactéria, uma história de agricultura microscópica

Foto
A colónia de Dictyostelium discoidieum com bactérias, quando está na forma de pedúnculo, pronto para lançar esporos de amibas Imagem: DR

Chama-se Dictyostelium discoidieum e podia entrar na lista dos seres vivos mais estranhos. Esta amiba microscópica – que quando falta comida agrega-se a mais uns milhares de irmãos amibas para se transformar num corpo parecido com uma lesma de meio centímetro – é capaz de recolher bactérias para levar para outros locais onde não haja alimento.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Chama-se Dictyostelium discoidieum e podia entrar na lista dos seres vivos mais estranhos. Esta amiba microscópica – que quando falta comida agrega-se a mais uns milhares de irmãos amibas para se transformar num corpo parecido com uma lesma de meio centímetro – é capaz de recolher bactérias para levar para outros locais onde não haja alimento.

A descoberta foi feita por Debra Brock, da Universidade Rice, em Houston, no Texas (EUA). Era a primeira vez que a cientista olhava para os esporos de uma amiba selvagem, explicou a Science que noticiou a descoberta. Normalmente, os cientistas trabalham com indivíduos que provêm de laboratórios, há gerações e gerações. Mas a equipa de Brock tinha ido buscar à natureza 35 amibas selvagens.

Depois das amibas se juntarem para formar a tal “lesma social” que se comporta como um único indivíduo, esta lesma movimenta-se até encontrar uma nova zona com comida e toma a forma de num pedúnculo com um corpo redondo na extremidade. Lá dentro, muitas amibas multiplicaram-se transformaram-se em esporos e libertam-se para recuperar a sua vida individual.

Foi nesta fase que Debra Bock viu bactérias a saírem deste corpo redondo. “Na altura pensei 'Isto é mesmo estranho'”, disse citada pela Science. Depois, a equipa testou se todas as amibas transportavam bactérias e descobriu que só cerca de um terço é que tinha essa capacidade. A versão de laboratório que os cientistas utilizam há décadas fazia parte do grupo que não cultivava bactérias.

A equipa descobriu que as amibas agricultoras mantinham o comportamento mesmo depois dos cientistas matarem as bactérias e colocarem as amibas em culturas sem bactérias. As amibas multiplicavam-se e os descendentes, na presença de novas bactérias, repetiam o cultivo. De alguma forma, mantinham uma memória genética desta capacidade.

As bactérias transportadas eram de várias espécies, mas cerca de metade não serviam como alimento das amibas, o que à partida não parece trazer benefícios. “Escolhas como estas geralmente têm custos, por isso tem que haver um benefício grande para persistirem na natureza”, explicou a cientista, citada pela BBC News.

A equipa tentou compreender isto e verificou que as amibas não comem todas as bactérias que existem no meio para conseguirem armazenar algumas, ao contrário das amibas que não fazem o cultivo e comem todas as bactérias. Mais, as agricultoras só andam cerca de 1,5 centímetros quando se transformam na versão “lesma social”, enquanto as outras movem-se mais de três centímetros.

Mas quando estas amibas vão colonizar novos territórios sem comida, as bactérias que trazem acabam por multiplicar-se e transformam-se em alimento. Aqui, as agricultoras prosperam. “Pensar numa amiba, que é uma única célula, e que faz algo que consideramos ser cultivo, acho que é surpreendente”, disse a cientista.

Mais perto dos humanos

Há mais exemplos na natureza de outras espécies que fazem agricultura. Há formigas e térmitas que cultivam fungos, mas vão mais longe: tratam da terra onde colocam os fungos e matam quaisquer predadores que possam diminuir o rendimento da cultura. Nestes casos, a simbiose chegou ao extremo, já que os fungos não existem na natureza no estado selvagem e dependem das formigas para sobreviverem.

Nisso, esta espécie de amiba, apesar de não cultivar de uma forma tão complexa as bactérias, mantém uma relação mais parecida com as espécies cultivadas pelos humanos, que têm ainda versões selvagens com que se podem cruzar.

“Aqui, [os membros da espécie de amibas] que cultivam e não cultivam coexistem perfeitamente, por isso parecem perfeitamente normais até serem vistos ao microscópio; as bactérias não assumem papéis especializados como as plantações de fungos que as formigas e térmitas fazem crescer”, disse à BBC News Jacobus Boomsma, da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca.

Michael Puruggan, um biólogo da Universidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, vê outro paralelismo entre as amibas e o que aconteceu à humanidade quando começou a ter agricultura. “Será que elas migram menos porque agora podem cultivar?”, disse à Nature, referindo-se à menor capacidade que a lesma tem para andar. “Isto parece-se com o que aconteceu nas sociedades humanas quando a agricultura teve início.”