Tudo pode dar errado
A meio do visionamento de "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos" damos por nós a pensar que Woody Allen se tornou um realizador de "série B", um pequeno marginal a trabalhar na fronteira do sistema, numa espécie de "poverty row". Tornou-se um irmão dos autores europeus que, nos últimos dez anos, viram o seu público minguar e desaparecer.
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A meio do visionamento de "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos" damos por nós a pensar que Woody Allen se tornou um realizador de "série B", um pequeno marginal a trabalhar na fronteira do sistema, numa espécie de "poverty row". Tornou-se um irmão dos autores europeus que, nos últimos dez anos, viram o seu público minguar e desaparecer.
Quando o paradigma de um "cinema adulto" e intelectualmente exigente é hoje Christopher Nolan, estamos conversados. Se Woody Allen anda agora a saltitar entre Londres e Barcelona isso é mais do que uma consequência simbólica, porque não foi apenas simbolicamente que o seu território foi ocupado.
Em "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos", Londres outra vez. Na verdade, podia ser outro lugar qualquer - muito mais do que em "Match Point", Allen trata Londres como um estúdio (o estúdio onde ele pode filmar), um cenário ou um conjunto de cenários. A cidade nunca se impõe nem à câmara nem às personagens (que podiam ser nova iorquinas), o exercício nunca é sociológico nem turístico. É uma Londres funcional, como o cartão pintado de que os cineastas da "poverty row" obscureciam os contornos para não danificar o "efeito de real", e de facto é pelo tratamento do cenário que começamos a ver "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos" como uma série B.Curiosamente, o filme acompanha a lembrança.
Economia de meios, certamente; mas uma economia traduzida na própria "escrita" de Woody Allen: tudo muito rápido, tudo muito seco, praticamente sem planos de ligação, dramaturgia cortada à faca. Uma frieza peremptória, que tem tudo a ver com o essencial do filme, enésima variação de Woody Allen - insistimos: entre as mais geladas de sempre - sobre o tema do destino, algures entre o fatalismo dos gregos e o fatalismo de Edgar G. Ulmer, e sobre tudo o que dá errado mesmo quando parecia que podia dar certo.
As personagens - uma mulher recém divorciada (Gemma Jones); o ex-marido dela (Anthony Hopkins) e a sua nova conquista (Lucy Punch, perfeita enquanto protótipo da "tart", para sermos fieis ao calão britânico); a filha deles (Naomi Watts), prisioneira de angústias profissionais e matrimoniais, e o marido (Josh Brolin), escritor medíocre que sofre por ser um escritor medíocre - começam o filme em estado de desespero e quando Woody as deixa, num final súbito e em suspenso, estão em estado de condenação. Entre um momento e o outro, o que fazia rir (as visitas de Gemma Jones à vidente) foi-se tornando angustiante.
Ao contrário da vidente, Woody Allen não tem nada a prometer, nem está aqui para dizer o que o cliente quer ouvir. "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos" não dá uma nesga de esperança - mas pensando nisso, o "tall dark stranger" do título original podia ser uma maneira de descrever uma certa e incontornável figura que, por exemplo, Ingmar Bergman, um mestre de Woody, filmou no "Sétimo Selo"...
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