An Introduction to Syd Barrett
Barrett, habilíssimo com as palavras, fez do psicadelismo recreio infantil, com a inocência da infância eivada de perversidade adulta (conferir "Arnold Layne", o primeiro single), fez dele viagem tripada entre uma Inglaterra de contos fantásticos e o espaço lá em cima, por descobrir. Fez isso, como nenhum outro, rápido como nenhum outro. E, tragicamente, misteriosamente, desapareceu pouco depois (afogado em LSD, o que, diz uma das teorias – há muitas teorias sobre Syd Barrett -, terá provocado o seu colapso mental). Em "An Introduction to Syd Barrett", colectânea supervisionada por David Gilmour, o amigo de infância que o substituiu nos Pink Floyd, em 1968, e a primeira a juntar o trabalho do Barrett com os Floyd e a obra a solo, não é apenas uma colecção de música admirável, da melhor que o século XX pop produziu. É também a história da desintegração de um artista e dos seus últimos momentos de lucidez antes da queda no abismo. A efervescência que empregara nos Pink Floyd, aqui representados por singles como "Arnold Layne" ou "See Emily play" e por canções como "Chapter 24" ou "Matilda mother" (esta em versão alternativa, anterior à que seria incluída em "Pipper At The Gates of Dawn", o álbum de estreia), desvanece-se no preciso momento em que passamos de "Bike", psicadelismo em versão music-hall e a última canção de "Pipper", para "Terrapin", a primeira do primeiro álbum a solo de Barrett, editado em 1969. A música despe-se a voz e guitarra, a voz torna-se grave, quase perturbadora, e Barrett passa a habitar um espaço só seu. Não há "swinging London", não existe nada mais que um homem, incrivelmente talentoso, refugiado em si mesmo, às voltas consigo mesmo. Mas, e isto é importante, alguém consciente do processo que atravessava – a "loucura", arma fetiche para a valorização dos seus álbuns a solo, não é evidente nas canções que deixou. O que se ouve aqui é uma instabilidade emocional que o leva da resignação - "cause we're the fishes and all we do, is move about is all we do", em "Terrapin" – à euforia romântica de "Love you". Que o leva à desistência nessa negríssima "Dominoes", ao toque de Midas rock'n'roll, novamente, na excentricidade de "Gigolo aunt", à tão neurótica quanto contagiante "Octupus", ao humor de "Bob Dylan blues", sátira e homenagem a um dos músicos que mais admirava, revelada pela primeira vez numa colectânea anterior, editada em 2001. Com a ajuda de David Gilmour, Rick Wright e alguns Soft Machine, Syd Barrett ressurgiu em 1969 com "The Madcap Laughs": o título, naturalmente, é todo um programa. No ano seguinte, lançou "Barrett", o segundo e último álbum a solo (os dois, bem como "Opel", criado a partir das sobras das sessões de ambos, foram reeditados em paralelo à compilação). Em três anos, Barrett passara de estrela da contracultura britânica, a mais cintilante, a mais promissora, a trovador em queda, mistério insondável que nunca conseguiremos desvendar. A sua obra expõe todo esse percurso com uma nudez ímpar e com uma perturbadora clarividência do ocaso que se aproximava. "An Introduction" apresenta cinco das suas dezoito canções em novas misturas, um baixo regravado por Gilmour, com a discrição que se impunha, para "Here I go", e dá-nos a possibilidade de aceder, através do site sydbarrett.com, ao inédito "Rhamadan" (mera curiosidade, uma jam de vinte minutos da primeira fase dos Pink Floyd). "An Introduction" não nos revela nada que não soubéssemos. Prolonga o fascínio e a admiração provocada por esta impressionante explosão criativa. E deixa-nos, ainda, com uma sensação de angústia: como foi possível tanto em tão pouco tempo – e depois desaparecer completamente?
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Barrett, habilíssimo com as palavras, fez do psicadelismo recreio infantil, com a inocência da infância eivada de perversidade adulta (conferir "Arnold Layne", o primeiro single), fez dele viagem tripada entre uma Inglaterra de contos fantásticos e o espaço lá em cima, por descobrir. Fez isso, como nenhum outro, rápido como nenhum outro. E, tragicamente, misteriosamente, desapareceu pouco depois (afogado em LSD, o que, diz uma das teorias – há muitas teorias sobre Syd Barrett -, terá provocado o seu colapso mental). Em "An Introduction to Syd Barrett", colectânea supervisionada por David Gilmour, o amigo de infância que o substituiu nos Pink Floyd, em 1968, e a primeira a juntar o trabalho do Barrett com os Floyd e a obra a solo, não é apenas uma colecção de música admirável, da melhor que o século XX pop produziu. É também a história da desintegração de um artista e dos seus últimos momentos de lucidez antes da queda no abismo. A efervescência que empregara nos Pink Floyd, aqui representados por singles como "Arnold Layne" ou "See Emily play" e por canções como "Chapter 24" ou "Matilda mother" (esta em versão alternativa, anterior à que seria incluída em "Pipper At The Gates of Dawn", o álbum de estreia), desvanece-se no preciso momento em que passamos de "Bike", psicadelismo em versão music-hall e a última canção de "Pipper", para "Terrapin", a primeira do primeiro álbum a solo de Barrett, editado em 1969. A música despe-se a voz e guitarra, a voz torna-se grave, quase perturbadora, e Barrett passa a habitar um espaço só seu. Não há "swinging London", não existe nada mais que um homem, incrivelmente talentoso, refugiado em si mesmo, às voltas consigo mesmo. Mas, e isto é importante, alguém consciente do processo que atravessava – a "loucura", arma fetiche para a valorização dos seus álbuns a solo, não é evidente nas canções que deixou. O que se ouve aqui é uma instabilidade emocional que o leva da resignação - "cause we're the fishes and all we do, is move about is all we do", em "Terrapin" – à euforia romântica de "Love you". Que o leva à desistência nessa negríssima "Dominoes", ao toque de Midas rock'n'roll, novamente, na excentricidade de "Gigolo aunt", à tão neurótica quanto contagiante "Octupus", ao humor de "Bob Dylan blues", sátira e homenagem a um dos músicos que mais admirava, revelada pela primeira vez numa colectânea anterior, editada em 2001. Com a ajuda de David Gilmour, Rick Wright e alguns Soft Machine, Syd Barrett ressurgiu em 1969 com "The Madcap Laughs": o título, naturalmente, é todo um programa. No ano seguinte, lançou "Barrett", o segundo e último álbum a solo (os dois, bem como "Opel", criado a partir das sobras das sessões de ambos, foram reeditados em paralelo à compilação). Em três anos, Barrett passara de estrela da contracultura britânica, a mais cintilante, a mais promissora, a trovador em queda, mistério insondável que nunca conseguiremos desvendar. A sua obra expõe todo esse percurso com uma nudez ímpar e com uma perturbadora clarividência do ocaso que se aproximava. "An Introduction" apresenta cinco das suas dezoito canções em novas misturas, um baixo regravado por Gilmour, com a discrição que se impunha, para "Here I go", e dá-nos a possibilidade de aceder, através do site sydbarrett.com, ao inédito "Rhamadan" (mera curiosidade, uma jam de vinte minutos da primeira fase dos Pink Floyd). "An Introduction" não nos revela nada que não soubéssemos. Prolonga o fascínio e a admiração provocada por esta impressionante explosão criativa. E deixa-nos, ainda, com uma sensação de angústia: como foi possível tanto em tão pouco tempo – e depois desaparecer completamente?