Uma matéria teimosamente actual

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"Foi o Governo quem abriu espaço e tempo para a eternização deste impasse"

Desde logo, e com o devido respeito, acho uma falácia empolar-se demasiado a questão da percentagem de votos em sede da assembleia geral, visto que o (novo) Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) esvazia bastante as competências das assembleias gerais federativas, transferindo o poder sobretudo para as direcções e os seus presidentes.

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Desde logo, e com o devido respeito, acho uma falácia empolar-se demasiado a questão da percentagem de votos em sede da assembleia geral, visto que o (novo) Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) esvazia bastante as competências das assembleias gerais federativas, transferindo o poder sobretudo para as direcções e os seus presidentes.

Em todo o caso, creio que, por questões de proporcionalidade e democraticidade, nenhuma entidade, qualquer que ela seja, deve ter mais de 50 por cento dos votos.

Esta minha visão não me impede, porém, de discordar da lógica jurídica do despacho que suspendeu a UPD da FPF. O Governo acabou, na prática, por sancionar sobretudo as associações distritais e regionais como se o incumprimento fosse destes sócios ordinários da FPF. Não: em rigor, a entidade "faltosa", para citar mesmo o referido despacho, é a FPF, enquanto tal, porque não adaptou atempadamente os seus Estatutos ao RJFD. Assim sendo, não me parece que uma suspensão da UPD, mesmo que parcial, deva ser, como foi, selectivamente aplicada ou dirigida apenas a certos sócios ordinários.

Há outra questão que me parece relevante, mas de que se tem falado pouco: é o facto de o Governo, ao suspender a UPD pelo prazo de um ano, se ter autolimitado no seu poder fiscalizador e sancionatório. Isto porque, mantendo-se as premissas iniciais, só passado esse longo período é que, por força do próprio RJFD, o Governo está em condições de lançar mão da figura do cancelamento. Foi, pois, o Governo quem abriu espaço e tempo para a eternização deste impasse.

Finalmente deixo a seguinte nota: concorde-se ou não com o regime - e este, já o afirmei várias vezes, parece-me padecer de algumas ilegalidades e até violar a Constituição -, está em vigor. Assim sendo, o Estado - que, nos termos da lei, responde civilmente por determinadas acções e omissões - não pode passivamente limitar-se a assistir à convocação de uma assembleia geral eleitoral ao abrigo de uns estatutos desconformes com o regime vigente... que o próprio Estado adoptou. De outro modo, quase que o Estado força outras entidades a, em nome da legalidade, explorar a via judicial, antes ou após as eleições.

Alexandre Miguel Mestre é advogado