Austeridade gera recessão e obriga a medidas adicionais de mil milhões
Economistas contactados pelo PÚBLICO estimam que podem faltar, pelo menos, mil milhões de euros, tudo dependendo da "almofada" que o OE já possui face às metas.
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Economistas contactados pelo PÚBLICO estimam que podem faltar, pelo menos, mil milhões de euros, tudo dependendo da "almofada" que o OE já possui face às metas.
De onde vem esta insuficiência de recursos, depois de tanto aperto como o previsto? Vem justamente desse aperto e dos seus efeitos negativos na economia e destes, novamente, nas contas públicas. Efeitos que, a julgar pelo quadro macroeconómico oficial, o Governo não anteviu. Esses alertas foram já deixados em Novembro passado, quando a Comissão divulgou as suas previsões (bem mais negativas do que as oficiais), tendo o Governo alegado não haver necessidade de medidas adicionais.
Comece-se pelo princípio. Cortes nos vencimentos da função pública, aumentos no IRS e do IVA, congelamento de pensões, cortes em direitos sociais, entre outras medidas, redundarão numa diminuição do rendimento disponível da generalidade dos portugueses que é quem está a pagar o grosso da "factura". E os seus efeitos são óbvios - retracção da procura, queda do consumo privado, que se repercute em menor investimento e menor importação, redução da actividade, maior desemprego, tendências que acentuarão ainda mais a quebra do consumo e do investimento.
As medidas previstas representam, segundo os valores oficiais, uma redução da despesa pública de 2,2 pontos percentuais do PIB e um aumento da receita fiscal de 1,2 pontos percentuais do PIB.
Ora, ao contrário do Governo, que espera em 2012 um crescimento económico de 0,2 por cento, esses efeitos já foram antecipados por organizações internacionais. Vem aí uma recessão e a sua dimensão varia entre menos 0,2 por cento (OCDE), passando por menos 1 por cento (Comissão Europeia) e menos 1,2 por cento (FMI).
Mas uma recessão é um fenómeno grave, com reflexos tanto na despesa orçamental como na receita. No final, qual poderá ser o seu efeito global nas contas públicas? O PÚBLICO pediu a dois economistas para o tentar medir.
Défice subavaliadoMiguel St Aubyn do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) lembra que, segundo estudos recentes, a relação entre saldo orçamental e evolução do PIB (elasticidade) é de 0,5 - ou seja, a queda de cada ponto percentual do PIB acarreta uma subida do défice de meio ponto percentual.
Com base na previsão da Comissão Europeia, o PIB português cairia 1,2 pontos percentuais face à previsão oficial. E isso "conduziria a um défice de 5,2 por cento do PIB" em 2011, acima da meta de 4,6 por cento do PIB. "Este défice mais elevado conjugado com um PIB mais baixo conduziria a que a dívida pública se situasse em 88,3 por cento do PIB, isto é, 1,7 pontos acima do previsto no OE 2011".
Por outras palavras, caso Portugal queira cumprir a meta de 4,6 por cento do PIB para o défice orçamental, terá de encontrar novas medidas que cortem o défice em pelo menos 0,6 pontos percentuais do PIB - isto é, mais de mil milhões de euros, cerca de dois submarinos adicionais. Um valor que ainda não tem em conta o acréscimo dos encargos fruto da subida do stock da dívida para 88,3 por cento do PIB.
António Afonso, economista do Banco Central Europeu, lembra que essa elasticidade condiz com os cálculos da OCDE e que as "estas contas fazem naturalmente sentido". Mas ambos economistas lembram que estes números devem ser lidos com reserva e que, como afirma António Afonso, "são ilustrativos, e não têm, como é óbvio, em consideração efeitos de feedback mais complexos entre as alterações da despesa orçamental, rendimento disponível, consumo privado, impostos, PIB". Medir esses efeitos é bem mais complexo e requer outras metodologias (ver texto). Por outro lado, talvez os recursos em faltam em 2011 não sejam tão elevados. O ministro das Finanças garantiu que a previsão da receita fiscal foi cautelosa e já teve em conta uma recessão de menos 0,7 por cento em 2011. Mas não foi o caso da despesa.
Em qualquer dos casos, mais cortes na despesa ou mais aumentos das receitas redundarão em mais efeitos recessivos. E daí por diante.
A ideia é partilhada pela economista chefe do BPI, Cristina Casalinho, ouvida pela Lusa sobre a possível descida do rating de Portugal anunciado pela agência Moody"s e que foi mais tarde concretizado pela Fitch. "Se a economia se contrai e as taxas de juro continuam elevadas, significa que vamos ter recessão, o que dificulta a capacidade de pagamento da dívida, que passa a ter uma dinâmica que não é sustentável. Assim, vamos ter uma dinâmica imparável de crescimento da dívida, o que coloca problemas no pagamento a prazo." O problema, conclui, é que, "a prazo, mesmo que tenhamos uma política fiscal absolutamente exemplar, se não tivermos crescimento [económico], a dívida vai continuar a crescer". "O problema de dívida", acrescentou Cristina Casalinho, "não se resolve exclusivamente com consolidação [orçamental]."
Se as medidas que vão vigorar a partir de 1 de Janeiro próximo contribuem para a insustentabilidade das finanças públicas, então seria necessário adoptar outras. E medir o seu impacto macroeconómico. Resta saber se as 50 medidas de relançamento económico, anunciadas pelo Governo, compensam o efeito recessivo do OE de 2011.