Os discos jazz de 2010

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Sara Serpa

1. Camera Obscura, de Sara Serpa/Ran Blake
Inner Circle 

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1. Camera Obscura, de Sara Serpa/Ran Blake
Inner Circle 

Sara Serpa é a grande figura do jazz nacional de 2010: não só pelo excelente "Camera Obscura", gravado em duo com Ran Blake, mas também por todo o seu percurso mais recente, do ambiente académico de Boston ao hiper-competitivo meio do jazz nova-iorquino.

2. The Horse Jumps and The Shipp is Gone, de Vandermark 5
Not Two

Gravado ao vivo no clube Green Mill de Chicago, este novo registo do saxofonista Ken Vandermark é uma bomba! O saxofonista pega na sua mais celebrada formação, os Vandermark 5, e junta-lhes dois convidados de excepção; o trompetista Magnus Broo e o pianista Havard Wiik. Um equilíbrio notável entre forma e improvisação e uma atitude "take-no-prisoners" dá origem a uma música orgânica, visceral e urgente. Registo internacional do ano. R.A.

3. All is Gladness in the Kingdom, de Fight the Big Bull
Clean Feed

O decateto americano conta aqui com a participação do trompetista Steven Bernstein e elabora um dos mais originais discos dos últimos anos. Assente numa forte vertente composicional, a música abre alas à inspiração dos instrumentistas, sempre direccionados por um permanente sentido colectivo. Com o auxílio de Bernstein o colectivo dá mais um grande passo em frente. N.C.

4. Betweenwhile, de Mike Pride's From Bacteria to Boys
Aum Fidelity

Mike Pride é, há muito, um subversivo agitador do jazz nova-iorquino. Em "Betweenwhile" reúne um quarteto explosivo que opera entre o passado e o futuro do jazz, como se de um jogo se tratasse. A seu lado, Peter Bitenc, Alexis Marcelo e o saxofonista Darius Jones, uma das grandes revelações dos últimos anos. Fogo, elegância e contenção, num registo descrito com jazz de vanguarda soul. R.A.

5. Red Trio, de Red Trio
Clean Feed

Revelaram-se em disco, mas não só. Para o Red Trio - Rodrigo Pinheiro (piano), Hernâni Faustino (contrabaixo) e Gabriel Ferrandini (bateria) - 2010 foi um ano imparável: aclamação internacional, concertos em grandes salas (nacionais e internacionais) e colaborações com convidados de peso (como John Butcher ou Nate Wooley). Improvisando na constante busca de formas sonoras imprevisíveis, o trio encarnado desenvolve uma música única. Que o futuro seja deles. N.C.

6. Throat, de Little Women
Aum Fidelity

Jazz com espírito punk, free com disciplina prog. Os Little Women - quarteto de Darius Jones, Travis Laplante, Andrew Smiley e Jason Nazary - apresentam um dos mais inclassificáveis discos que o ano viu nascer, um disco que vira o jazz de pernas para o ar, que mostra uma música barulhenta e irresistível, que explora os limites, que se materializa em múltiplas explosões de energia. N.C.

7. Never Stop, de The Bad Plus
E1

O irreverente trio de Ethan Iverson, Reid Anderson e David King confirma finalmente aquilo que já muitos desconfiavam: estes moços não são apenas capazes de boas (e divertidas) versões de temas rock
pop, são também capazes de fazer uma música intensíssima, enérgica e original, que não deve nada a ninguém. Este é o primeiro disco que não inclui temas alheios e ao que parece estes já não fazem falta
nenhuma.N.C.

8. Dual Identity, de Rudresh Mahanthappa and Steve Lehman
Clean Feed

Dois saxofonistas, virtuosos e inovadores, tentam desvendar os códigos do futuro do jazz. Com uma abordagem altamente pessoal e acompanhados por três grandes músicos - Liberty Ellman, Matt Brewer e Damion Reid - destilam um jazz intenso, angular e complexo, e constroem uma entidade musical abstracta que se apresenta como o paradigma do jazz moderno. R.A.

9. Scenes in the House of Music, de Parker/Guy/Lytton + Peter Evans
Clean Feed

Constituindo um dos mais celebrados trios do jazz improvisado europeu, Evan Parker, Barry Guy e Paul Lytton são três gigantes que garantiram há muito um lugar de destaque na história do jazz moderno. Neste disco, registo de um concerto memorável na Casa da Música, convidam o extraordinário trompetista Peter Evans e formam um quadrado perfeito, impressionista e caleidoscópico. Aquilo que mais se aproxima de uma pura magia sonora. R.A.

10. This Brings Us To Vol.2, de Henry Threadgill Zooid
Pi

A aventura criativa de Threadgill continua. Com Zooid, o seu notável projecto para o novo século, realiza explorações de timbre, estrutura e instrumentação. No seu universo, o de um verdadeiro músico dos músicos, nada é o que parece. Em múltiplos planos de percepção, cruzam-se jazz de vanguarda, blues, música contemporânea, jazz latino e muita improvisação, estruturada e consistente como poucas. R.A.

11. Lost in a Dream, de Paul Motian Trio
ECM

Mais do que a enorme vitalidade de Motian, mestre do drumming mundial, a grande surpresa de "Lost in a Dream" vem de Jason Moran - mais contido, com um toque europeu que lhe assenta como uma luva - e acima de tudo, de Chris Potter, que aqui utiliza uma subtileza e suavidade tímbrica que raramente lhe é ouvida. Um trio clássico num registo poético e lírico.R.A.

12. Lisbon Underground Music Ensemble, de LUME
JACC

A "big band" dirigida por Marco Barroso chega finalmente ao disco e confirma aquilo que muitos já conheciam das actuações ao vivo da banda: jazz multi-referencial, temas que atravessam décadas da história em poucos minutos, de Ellington a Sun Ra à velocidade da luz. Um brilhante projecto nacional que não pára de surpreender e merecerá todo o reconhecimento (aqui e lá fora). NC

13. Solo, de Vijay Iyer
Act

O pianista aventura-se a solo e o resultado já não surpreende ninguém. Trabalhando uma selecção de standards como "Darn That Dream" e clássicos de Monk ("Epistrophy") e Ellington ("Fleurette Africaine"), Vijay passa também por "Human Nature" (belíssimo tema de Michael Jackson). Em qualquer desses ambientes, o pianista nunca abandona o seu típico registo, sóbrio e metódico, inteligente no desenvolvimento dos temas, criativo e elegante. N.C.

14. 5000 Poems, de Steve Swell Slammin' The Infinite
Not Two

Nome incontornável do jazz de vanguarda norte-americano e um dos maiores trombonistas da actualidade, Steve Swell já não gravava um disco assim há muito tempo. Em "5000 Poems", com um quinteto bem calibrado, surpreende tudo e todos com um registo vibrante, pleno de inspiração e poder, na linha dos grandes clássicos free dos anos 60 e 70. Composições brilhantes e discursos solistas de cortar a respiração. R.A.

15. Mongrel, de Mário Laginha Trio
ONC

Cada vez mais focado no seu próprio universo, Mário Laginha continua a seguir a sua estrela aventurando-se em projectos de alto risco. Em "Mongrel" aborda a obra de um dos seus compositores favoritos, Frédéric Chopin, e recusando soluções fáceis, opera uma transformação profunda das suas composições, alterando compassos, tempos, melodias e harmonias. Raramente uma fusão ou "mestiçagem" de estilos musicais deu origem a uma música tão pura e orgânica. R.A.